GRAMÁTICA E POLÍTICA
Texto do Professor Doutor Sírio Possenti
(UNICAMP)
e-mail: possenti@correionet.com.br
“Receio bem que jamais venhamos a desembaraçar-nos de Deus, pois cremos ainda na gramática." (Nietzsche).
Este trabalho não pretende avançar nenhuma novidade sobre a relação entre política e gramática, mas apenas divulgar algumas reflexões correntes sobre o tema em certos círculos. 0 tom do trabalho será, é evidente, político.
Para tratar, mesmo que sumariamente, do tema, é necessário antes de tudo conceituar gramática. Ver-se-á que, qualquer que seja a acepção em que se tome este termo, a questão da política lhe está inexoravelmente ligada. Distinguir-se-ão três conceitos correntes, que equivalem a três maneiras de se entender a expressão "conjunto de regras lingüísticas".
1) No sentido mais comum, o termo gramática designa um conjunto de regras que devem ser seguidas por aqueles que querem "falar e escrever corretamente". Neste sentido, pois, gramática é um conjunto de regras a serem seguidas. Usualmente, tais regras prescritivas são expostas, nos compêndios, misturadas com descrições de dados, em relação aos quais, no entanto, em vários capítulos das gramáticas, fica mais do que evidente que o que é descrito é,ao mesmo tempo, prescrito. Citemse como exemplos mais evidentes os capítulos sobre concordância, regência e colocação dos pronomes átonos.
2) Num segundo sentido, gramática é um conjunto de regras que um cientista dedicado ao estudo de fatos da 1 íngua encontra nos dados que analisa a partir de uma certa teoria e de um certo método. Neste caso, por gramática se entende um conjunto de leis que regem a estruturação real de enunciados realmente produzidos por falantes, regras que são utilizadas. Neste caso, não importa se o emprego de determinada regra implica numa avaliação positiva ou negativa da expressão lingüística por parte da comunidade, ou de qualquer segmento dela, que fala esta mesma língua.
Gramáticas do primeiro tipo preocupamse mais com como deve ser dito, as do segundo ocupam-se exclusivamente de como se diz. Para que a diferença fique bem clara, imaginese um antropólogo que descreva determinado sistema de parentesco de um certo povo, e outro que o censure por desrespeitoso, por não distinguirse o papel do pai e do tio...
3) Num terceiro sentido, a palavra gramática designa o conjunto de regras que o falante de fato aprendeu e das quais lança mão ao falar. É preciso que fique claro que sempre que alguém fala o faz segundo regras de uma certa gramática, e o fato mesmo de que fala testemunha isto, porque usualmente não se "inventam" regras para construir expressões. Pelo conhecimento não consciente, em geral, de tais regras, o falante sabe sua língua, pelo menos uma ou algumas de suas variedades. 0 conjunto de regras lingüísticas que um falante conhece constitui a sua gramática, o seu repertório lingüístico.
Uma gramática do tipo 2 será tanto melhor quanto mais coincidir com uma gramática do tipo 3, isto é, quanto maior conteúdo empírico explicar. É por esta razão que Chomsky diz que a tarefa do lingüista é semelhante à da criança que está aprendendo a língua de sua comunidade: ambos devem descobrir as regras da língua. Os lingüistas, sabese, são muito menos bem-sucedidos que as crianças.
Talvez haja regras gerais válidas para todas as línguas. Talvez não. Não discutamos isto aqui. Aceitemos que uma gramática refere-se a uma língua. Ocorre que I íngua não é um conceito óbvio. Pelo menos, pode-se dizer que há um conceito de língua compatível com cada conceito de gramática. Isto é, vista a língua de uma certa forma, verseá a natureza e a função da gramática de uma forma compatível. Qualquer outra postura será incoerente em excesso para merecer atenção. Distingamos, pois, três conceitos de língua.
a) 0 primeiro conceito é o mais usual entre os membros de uma comunidade lingüística, pelo menos em comunidades como as nossas. Segundo tal forma de ver a questão, o termo língua recobre apenas uma dasvariedades lingüísticas utilizadas efetivamente pela comunidade, a variedade que é pretensamente utilizada pelas pessoas cultas. É a chamada 1 íngua padrão, ou norma culta. As outras formas de falar (ou escrever) são consideradas erradas, não pertencentes à 1 íngua . Definir 1 íngua desta forma é esconder vários fatos, alguns escandalosamente óbvios. Dentre eles está o fato de que todos ouvimos diariamente pessoas falando diversamente, isto é, segundo regras parcialmente diversas, conforme quem fala seja de uma ou de outra região, de uma ou de outra classe social, fale com um interlocutor de um certo perfil ou de outro, segundo queira vender uma imagem ou outra. Esta definição de língua peca, pois, pela exclusão da variedade, por preconceito cultural. Esta exclusão não é privilégio de tal concepção, mas o é de uma forma especial: a variação é vista como desvio, deturpação de um protótipo. Quem fala diferente fala errado. E a isso se associa que pensa errado, que não sabe o que quer, etc. Da í a não saber votar, o passo é pequeno. É um conceito de língua elitista.
b) 0 segundo conceito de língua, ligado a gramáticas do tipo 2, também é excludente, em relação aos fenômenos, não tanto por só incluir partes, mas por incluir de certo modo apenas. Aqui língua equivale a um construtor teórico, necessariamente abstrato. Como tal, é considerado homogêneo, não prevê variações no sistema. 0 que faz é prever sistemas coexistentes, mas não incorpora, embora trabalhe com base em enunciados da faia, as flutuações da fala. Não se quer pôr em dúvida a necessidade da construção do objeto teórico para a tarefa científica de descrever línguas. Tratase de colocar a dúvida: até que ponto, efetivamente, tais construtos representam o maior conteúdo empírico possível e até que ponto são restritivos em relação aos fenômenos, As teorias pagam seu preço às ideologias a que se ligam. Por exemplo: o estruturalismo exclui o papel do falante no sistema lingüístico, define a língua como meio de comunicação, o que implica que não há interlocutores, mas emissores e receptores, codificadores e decodificadores. A Gramática Gerativa só considera enunciados ideais produzidos por um falante ideal que pertença a uma comunidade lingüística ideal. Além disso, concebe a língua como espelho do pensamento, o que implica fazer uma semântica de base lógica privilegiando o valor de verdade dos enunciados. 0 que é uma exclusão de todas as outras funções da linguagem.
Estes tipos de concepção de língua, no entanto, não avalisam nenhum preconceito contra qualquer 1 íngua ou contra qualquer variedade lingüística. Mas, de fato, trabalham com dados higienizados. E as gramáticas que as estudam estabelecem prioridades, o que sempre significa, na prática, deixar para as calendas as tarefas consideradas posteriores e dependentes da principal.
c) Considerandose que os falantes não falam uma 1 íngua uniforme e não falam sempre da mesma maneira, a terceira concepção de gramática opera a partir de uma noção de I íngua mais difícil de explicitar. Digamos, em poucas palavras, que neste sentido 1 íngua é o conjunto das variedades utilizadas por uma determinada comunidade e reconhecidas como heterônimas de uma língua. Isto é, formas diversas entre, si, mas pertencentes à mesma 1 íngua. É interessante observar que a propriedade "pertencer a uma língua" é atribuída a uma determinada variedade bastante independentemente dos seus traços lingüísticos internos, isto é, de suas regras gramaticais, mas preponderantemente pelo sentimento dos próprios usuários de que falam a mesma 1 íngua, apesar das diferenças. Assim, não importa se uma determinada variedade A de uma 1 íngua é mais semelhante a uma variedade X de outra língua do que a uma variedade 13 da mesma I íngua. A e 13 serão consideradas variedades de um mesma 1 íngua, X será uma variedade de outra língua. Este tipo de fenômeno é comum em fronteiras políticas, que são muito comumente fronteiras também lingüísticas por causa das atitudes dos falantes mais do que por causa dos traços gramaticais das formas lingüísticas. Língua é , pois, neste sentido, um conjunto de variedades.
Consideremos agora alguns fatos lingüísticos. Pouco se sabe sobre as línguas a despeito dos séculos de trabalho a elas dedicados, mas algumas coisas são evidentes. A mais evidente de todas é que as línguas estão estreitamente ligadas a seus usuários, isto é, aos outros fatos sociais. Não são sistemas que pairam acima dos que falam, e não estão isentas dos valores atribuídos pelos que falam.
Um outro fato evidente é que as línguas variam. Não se sabe de nenhuma língua que seja uniformemente falada por velhos e jovens, homens e mulheres, pessoas mais e menos influentes, em qualquer circunstância. Este fato faz das línguas um objeto extremamente complexo não só pela dificuldade, já de si enorme, de se descobrira totalidade das regras gramaticais encontráveis e a sua natureza (se categóricas ou variáveis), mas também por causa da extrema dificuldade em se fixar o limite entre o que é e o que não é lingüístico. Tomar uma decisão sobre este aspecto já é assumir concepções em geral não inocentes no campo ideológico. De uma certa maneira, é um problema análogo ao da separação entre a economia e a política.
Um terceiro fato evidente é que as línguas mudam. As gramáticas do tipo 1 fazem o possível para ser insensíveis a esta realidade, mas ela é tão forte que mesmo elas acabam por dobrarse, embora parcial, tardiamente e apenas segundo uma razão: por se pautarem nos "bons escritores", que sempre incorporam formas novas ou mesmo criam formas alternativas. 0 que tais gramáticas não fazem é associar o fato da mudança ao fato da variação, inerente às línguas naturais, por causa dos valores que os usuários atribuem a formas distintas.
Um outro fato que não pode ser esquecido é que a variedade lingüística estudada e aconselhada por gramáticas do tipo 1 é fruto de um longo e minucioso trabalho explícito voltado não sobre a 1 íngua, no sentido c, mas sobre uma de suas variedades, para "aperfeiçoála". Um dos resultados deste trabalho é a apresentação desta variedade como se ela não tivesse a mesma origem das outras. Em resumo, aquilo que se chama vulgarmente de linguagem correta não passa de uma variedade da língua que, em determinado momento da história, por ser a utilizada pelos cidadãos mais influentes da região mais influente do país, foi a escolhida para servir de expressão do poder, da cultura deste grupo, transformada em única expressão da única cultura. Seu domínio passou a ser necessário para ter acesso ao poder. 0 que precisa ficar claro é que esta variedade, a mais prestigiada de todas, tem a força que tem em função de dois fatores, ambos desligados de sua, digamos estrutura: pelo fato de ser utilizada pelas pessoas mais influentes, donde se deduz que seu valor advém não de si mesma, mas de seus falantes; e por ter merecido, ao longo dos tempos, a atenção dos gramáticos, dos dicionaristas e dos escribas em geral, que se esmeraram em uniformizá-la ao máximo, em adicionarlhe palavras e regras que acabaram por torná-la, efetivamente, a variedade capaz de expressar maior número de coisas. Não necessariamente de expressar melhor, mas de expressar mais. As outras variedades ou foram confinadas ao uso no diaadia ou para finalidades muito bem definidas pela sociedade.
Resumindo, há fatos básicos em relação às línguas que não podem ser esquecidos, a não ser por uma certa vontade política: a) que as línguas não existem em si; b) que elas variam, isto é, não são uniformes, num tempo dado; c) mudam, isto é, não são iguais em dois tempos diferentes, nas suas variedades; d) em certas sociedades, há uma variedade que merece tanta atenção, tanto trabalho de normalização e de criação e/ou incorporação, e em torno de cujas virtudes se faz tamanha pregação que todos acabam por concordar que esta variedade é a 1 íngua, sendo as outras formas imperfeitas e desviantes da língua (da significando aqui não pertença, mas ponto de partida).
Pode parecer que se trate de preciosismo verbal, mas é preciso acentuar que no interior das línguas não há variantes, termo que pode dar a idéia de que uma forma deriva, bem ou mal, de outra, que é superior, melhor, mas apenas variedades, isto é, formas coexistentes. Eventualmente, uma forma de uma variedade pode ter sido emprestada de outra, como há empréstimos de língua para língua e conseqüente adaptação. E é preciso dizer com todas as letras que todas as variedades são boas e corretas, e que funcionam segundo regras tão rígidas quanto se imagina que são as regras da "língua clássica dos melhores autores". As variedades não são, pois, erros, mas diferenças.
Não existe erro lingüístico. 0 que há são inadequações de linguagem, que consistem não no uso de uma variedade, ao invés de outra, mas no uso de uma variedade ao invés de outra numa situação em que as regras sociais não abonam aquela forma de fala. Assim, é tão inadequado (não errado) dizer-se "Vossa Senhoria quer fazer o obséquio de me passar o sal" numa refeição em família quanto dizerse "O, meu chapa, qué fazê o favor di demití o Ministro X que ninguém mais tem saco pra guentá ele?" ao Presidente da República numa reunião do Ministério. Mas não se diga que esta última frase está errada. Ela é uma frase do português, tem regras próprias. Nos exemplos, tratase apenas de gafes análogas a ir à praia de smoking ou a um jantar formal de bermudas. 0 "erro", portanto, se dá sempre em relação à avaliação do valor social das expressões, não em relação às expressões mesmas. Não fosse assim, seria como considerar mal acabado um colete por não ter mangas.
Digamos mais diretamente, então, o que há de político nas gramáticas. Em gramáticas do tipo 1, o que há de político é mais do que evidente. Elas são excludentes em alto grau. Em primeiro lugar, excluem a fala, considerando propriamente corretas apenas as manifestações escritas (ou as faladas que as repetem, que continuam, na verdade, sendo escritas ... ). Sabe-se que a escrita, como nós a conhecemos, é posterior à fala e foi construída sobre ela, embora esteja claro que as duas modalidades são diversas em numerosos aspectos que não cabe aqui tratar. Ao eleger a escrita, não elegem qualquer manifestação escrita. Adotam como modelo a escrita Iiterária. Ora, é evidente que a literária não é a única escrita, nem a melhor. É uma dentre elas, e só é melhor para a literatura. Mas isso não é tudo. Ao eleger a escrita literária, elegem alguns escritores, ou ainda uma seleção de suas obras inclusive para evitar imoralidades. Selecionam apenas os clássicos. Uma das características dos clássicos, na verdade a mais relevante para as gramáticas (e para representar bons usos da língua!) é serem antigos. De degrau em degrau, excluindo a oralidade, a escrita não literária, a escrita Iiterária moderna, o que tais gramáticas nos apresentam é antes de mais nada uma Iíngua arcaica em muitos de seus aspectos. Esquecem estas gramáticas que tais clássicos foram, em seu tempo,, freqüentemente apedrejados pelo "mau uso da linguagem", porque então também havia os clássicos a serem imitados.
Em segundo lugar, uma gramática assim pensada e construída exclui a variação, tanto a oral como a escrita. As variedades regionais são, para ela, regionalismos, e merecem tratamento tão desprezível quanto os estrangeirismos, elencados entre os vícios de linguagem. As variedades sociais eventualmente trazidas para os textos pelos escritores ou são folclore ou concessão incompreensível ao mau gosto. É pois política, absolutamente falta de senso histórico mas não ingênua, a atitude purista e arcaizante, por considerar sem valor, erradas, frutos da falta de cultura e do desleixo as manifestações não avalisadas por um estreito e freqüentemente mau "bom gosto". 0 preconceito contra qualquer manifestação lingüística popular é escandaloso nas gramáticas deste tipo. Maurizio Gnerre afirma que a língua é o único lugar em que a discriminação é aceita. Em nenhum documento está dito que não se tem o direito de discriminar alguém por causa de seu sotaque ou de qualquer outra peculiaridade lingüística, embora se condene claramente a discriminação quando baseada em fatores como religião, cor, ideário político etc. Diria que não só não se trabalha em favor do fim da discriminação lingüística, como, pelo contrário, cada vez mais se valoriza a língua da escola, que é na verdade a língua do Estado.
Gramáticas do tipo 2 são políticas em três sentidos, pelo menos: a) em primeiro lugar porque, embora se baseiem na oralidade, a construção dos modelos e, na verdade, o corpus utilizado levam sempre, imperceptível mente talvez, para a consagração da variedade padrão como representante ideal das regras da língua. A melhor demonstração desta atitude é que o estudo da variação Iingüística cabe a um ramo interdisciplinar, a sociolingüística, não à lingüística mesma; b) em segundo lugar, tais gramáticas são políticas na construção e delimitação do objeto: conforme o que excluem ou incluem no objeto da teoria, efetuam um recorte dos fenômenos que imediatamente denuncia as ligações ideológicas da teoria gramatical com certas concepções de outros fenômenos sociais. Casos evidentes são o estruturalismo americano, ligado diretamente ao behaviorismo, e a gramática gerativa, que apela fortemente para o inatismo. Compare-se, também, a concepção de signo em Saussure e em Voloshinov; c) pela exclusão que tais gramáticas promovem do aspecto histórico das I ínguas, das razões sociais das mudanças. A doutrina da precedência da sincronia vem de par com uma concepção de língua como sistema independente de fatores extralingüísticos, excluindo totalmente o papel da história e das reais relações entre os falantes.
As gramáticas do tipo 3 são evidentemente políticas. Neste caso, no entanto, não necessariamente a marca política é imposta por grupos de poder especializados. É a própria comunidade que fala a língua que trabalha politicamente, impingindo normas de linguagem, e excluindo os que não se submetem. Neste sentido, os próprios falantes promovem o máximo possível de normalização ou de especialização de variedades, atribuindo valores às formas lingüísticas. Em comunidades de maior escolaridade, é claro que gramáticas do tipo 1 interferem em gramáticas do tipo 3. Daí porque normas e concepções daquelas gramáticas podem encontrarse reproduzidas nestas, e a comunidade, embora. exercite a diversidade , considera explicitamente uma forma de falar melhor que outra. A forma mais valorizada coincide com a forma padronizada pelas gramáticas.
E, no entanto, não existe nenhuma variedade e nenhuma língua que sejam boas ou ruins em si. 0 que há são. línguas e variedades que mereceram maior atenção que outras, segundo necessidades e eleições historicamente explicáveis. Necessidades e eleições claramente políticas. Fischman, em seu Sociology of language, menciona quatro atitudes básicas adotadas em relação a variedades privilegiadas, que as valorizaram sobremaneira.
Padronização: consiste na codificação e aceitação, dentro de uma comunidade lingüística, de um conjunto de hábitos ou normas que definem o uso "correto" (Steward). Este é um assunto típico dos guardiães da língua: escritores, gramáticos, professores, etc., isto é, de certos grupos cujo uso da I íngua é profissional e consciente. Codificase a língua e ela é apresentada à comunidade como um bem desejável. Em seguida, promovese a variedade codificada, por meio de agentes e autoridades como o governo, sistemas de educação, meios de comunicação etc. 0 que é importante verificar, nesta tarefa, é que ela é efetuada sobre uma variedade que, antes de ser trabalhada, é (considerada) cheia de "defeitos e lacunas". A padronização não é, pois, uma propriedade da língua, mas um tratamento social. Consiste em fazer passar por natural o que é criado.
Autonomia: é uma atitude que se preocupa com a unidade e a independência do sistema lingüístico, erigindo-o freqüentemente em condição “sine qua non” da unidade nacional. 0 principal instrumento da autonomia é a padronização, através de gramáticas e dicionários, meio seguro de representar a autonomia e de aumentála, fixando as regras e aumentando o léxico. "Os heróis não nascem, são feitos". 0 mesmo vale para a autonomia das línguas.
Historicidade: Fischman utiliza uma analogia interessante: buscar sua própria ascendência é uma das características dos novos ricos.
Da mesma forma, as línguas, para aparecerem como autônomas, exigem um esforço de reconstrução de seu passado, para descobrir sua "honrosa estirpe". Nada melhor do que derivar do latim, desde que não se diga em voz muito alta que foi do latim dos soldados. . .
Vitalidade: atitude que se preocupa com a manutenção da língua e sua difusão de vez que, quanto mais numerosos e importantes os falantes, maior a autonomia, a historicidade e a vitalidade. Esta postura fica clara em muitos lugares, mas é interessante verificar que funcionou como justificativa para a confecção das primeiras gramáticas do espanhol e do português. Os autores alegavam coisas como "um grande império merece uma grande língua", "as gramáticas são necessárias para que a língua possa ser levada para as colônias, para que lá possa permanecer mesmo quando terminar a dominação política". Bastariam declarações como estas, aliás, para demonstrar claramente a relação da gramática com a política, principalmente no caso das gramáticas pedagógicas, relação que é extremamente bem manifesta nas quatro atitudes enumeradas por Fischman.
A adoção de gramáticas do tipo 1 pelas escolas é bem um sintoma de que elas pouco se preocupam em analisar efetivamente uma língua mas, antes, em transmitir uma ideologia lingüística. Se considerarmos que aquelas gramáticas adotam uma definição de língua extremamente limitada, que expõem aos estudantes um modelo bastante arcaico e distante de experiência vivida, mais do que ensinar uma língua, o que elas conseguem é aprofundar a consciência da própria incompetência, por parte dos alunos. 0 resultado é o aumento do silêncio, pois na escola não se consegue aprender a variedade ensinada, e se consagra o preconceito que impede de falar segundo outras variedades. E isto é politicamente grave, porque, segundo Foucault ,e o discurso não é simplesmente o que traduz as lutas ou os sistemas de dominação mas o por que, aquilo pelo que se luta, o poder cuja posse se procura".
Texto do Professor Doutor Sírio Possenti
(UNICAMP)
e-mail: possenti@correionet.com.br
“Receio bem que jamais venhamos a desembaraçar-nos de Deus, pois cremos ainda na gramática." (Nietzsche).
Este trabalho não pretende avançar nenhuma novidade sobre a relação entre política e gramática, mas apenas divulgar algumas reflexões correntes sobre o tema em certos círculos. 0 tom do trabalho será, é evidente, político.
Para tratar, mesmo que sumariamente, do tema, é necessário antes de tudo conceituar gramática. Ver-se-á que, qualquer que seja a acepção em que se tome este termo, a questão da política lhe está inexoravelmente ligada. Distinguir-se-ão três conceitos correntes, que equivalem a três maneiras de se entender a expressão "conjunto de regras lingüísticas".
1) No sentido mais comum, o termo gramática designa um conjunto de regras que devem ser seguidas por aqueles que querem "falar e escrever corretamente". Neste sentido, pois, gramática é um conjunto de regras a serem seguidas. Usualmente, tais regras prescritivas são expostas, nos compêndios, misturadas com descrições de dados, em relação aos quais, no entanto, em vários capítulos das gramáticas, fica mais do que evidente que o que é descrito é,ao mesmo tempo, prescrito. Citemse como exemplos mais evidentes os capítulos sobre concordância, regência e colocação dos pronomes átonos.
2) Num segundo sentido, gramática é um conjunto de regras que um cientista dedicado ao estudo de fatos da 1 íngua encontra nos dados que analisa a partir de uma certa teoria e de um certo método. Neste caso, por gramática se entende um conjunto de leis que regem a estruturação real de enunciados realmente produzidos por falantes, regras que são utilizadas. Neste caso, não importa se o emprego de determinada regra implica numa avaliação positiva ou negativa da expressão lingüística por parte da comunidade, ou de qualquer segmento dela, que fala esta mesma língua.
Gramáticas do primeiro tipo preocupamse mais com como deve ser dito, as do segundo ocupam-se exclusivamente de como se diz. Para que a diferença fique bem clara, imaginese um antropólogo que descreva determinado sistema de parentesco de um certo povo, e outro que o censure por desrespeitoso, por não distinguirse o papel do pai e do tio...
3) Num terceiro sentido, a palavra gramática designa o conjunto de regras que o falante de fato aprendeu e das quais lança mão ao falar. É preciso que fique claro que sempre que alguém fala o faz segundo regras de uma certa gramática, e o fato mesmo de que fala testemunha isto, porque usualmente não se "inventam" regras para construir expressões. Pelo conhecimento não consciente, em geral, de tais regras, o falante sabe sua língua, pelo menos uma ou algumas de suas variedades. 0 conjunto de regras lingüísticas que um falante conhece constitui a sua gramática, o seu repertório lingüístico.
Uma gramática do tipo 2 será tanto melhor quanto mais coincidir com uma gramática do tipo 3, isto é, quanto maior conteúdo empírico explicar. É por esta razão que Chomsky diz que a tarefa do lingüista é semelhante à da criança que está aprendendo a língua de sua comunidade: ambos devem descobrir as regras da língua. Os lingüistas, sabese, são muito menos bem-sucedidos que as crianças.
Talvez haja regras gerais válidas para todas as línguas. Talvez não. Não discutamos isto aqui. Aceitemos que uma gramática refere-se a uma língua. Ocorre que I íngua não é um conceito óbvio. Pelo menos, pode-se dizer que há um conceito de língua compatível com cada conceito de gramática. Isto é, vista a língua de uma certa forma, verseá a natureza e a função da gramática de uma forma compatível. Qualquer outra postura será incoerente em excesso para merecer atenção. Distingamos, pois, três conceitos de língua.
a) 0 primeiro conceito é o mais usual entre os membros de uma comunidade lingüística, pelo menos em comunidades como as nossas. Segundo tal forma de ver a questão, o termo língua recobre apenas uma dasvariedades lingüísticas utilizadas efetivamente pela comunidade, a variedade que é pretensamente utilizada pelas pessoas cultas. É a chamada 1 íngua padrão, ou norma culta. As outras formas de falar (ou escrever) são consideradas erradas, não pertencentes à 1 íngua . Definir 1 íngua desta forma é esconder vários fatos, alguns escandalosamente óbvios. Dentre eles está o fato de que todos ouvimos diariamente pessoas falando diversamente, isto é, segundo regras parcialmente diversas, conforme quem fala seja de uma ou de outra região, de uma ou de outra classe social, fale com um interlocutor de um certo perfil ou de outro, segundo queira vender uma imagem ou outra. Esta definição de língua peca, pois, pela exclusão da variedade, por preconceito cultural. Esta exclusão não é privilégio de tal concepção, mas o é de uma forma especial: a variação é vista como desvio, deturpação de um protótipo. Quem fala diferente fala errado. E a isso se associa que pensa errado, que não sabe o que quer, etc. Da í a não saber votar, o passo é pequeno. É um conceito de língua elitista.
b) 0 segundo conceito de língua, ligado a gramáticas do tipo 2, também é excludente, em relação aos fenômenos, não tanto por só incluir partes, mas por incluir de certo modo apenas. Aqui língua equivale a um construtor teórico, necessariamente abstrato. Como tal, é considerado homogêneo, não prevê variações no sistema. 0 que faz é prever sistemas coexistentes, mas não incorpora, embora trabalhe com base em enunciados da faia, as flutuações da fala. Não se quer pôr em dúvida a necessidade da construção do objeto teórico para a tarefa científica de descrever línguas. Tratase de colocar a dúvida: até que ponto, efetivamente, tais construtos representam o maior conteúdo empírico possível e até que ponto são restritivos em relação aos fenômenos, As teorias pagam seu preço às ideologias a que se ligam. Por exemplo: o estruturalismo exclui o papel do falante no sistema lingüístico, define a língua como meio de comunicação, o que implica que não há interlocutores, mas emissores e receptores, codificadores e decodificadores. A Gramática Gerativa só considera enunciados ideais produzidos por um falante ideal que pertença a uma comunidade lingüística ideal. Além disso, concebe a língua como espelho do pensamento, o que implica fazer uma semântica de base lógica privilegiando o valor de verdade dos enunciados. 0 que é uma exclusão de todas as outras funções da linguagem.
Estes tipos de concepção de língua, no entanto, não avalisam nenhum preconceito contra qualquer 1 íngua ou contra qualquer variedade lingüística. Mas, de fato, trabalham com dados higienizados. E as gramáticas que as estudam estabelecem prioridades, o que sempre significa, na prática, deixar para as calendas as tarefas consideradas posteriores e dependentes da principal.
c) Considerandose que os falantes não falam uma 1 íngua uniforme e não falam sempre da mesma maneira, a terceira concepção de gramática opera a partir de uma noção de I íngua mais difícil de explicitar. Digamos, em poucas palavras, que neste sentido 1 íngua é o conjunto das variedades utilizadas por uma determinada comunidade e reconhecidas como heterônimas de uma língua. Isto é, formas diversas entre, si, mas pertencentes à mesma 1 íngua. É interessante observar que a propriedade "pertencer a uma língua" é atribuída a uma determinada variedade bastante independentemente dos seus traços lingüísticos internos, isto é, de suas regras gramaticais, mas preponderantemente pelo sentimento dos próprios usuários de que falam a mesma 1 íngua, apesar das diferenças. Assim, não importa se uma determinada variedade A de uma 1 íngua é mais semelhante a uma variedade X de outra língua do que a uma variedade 13 da mesma I íngua. A e 13 serão consideradas variedades de um mesma 1 íngua, X será uma variedade de outra língua. Este tipo de fenômeno é comum em fronteiras políticas, que são muito comumente fronteiras também lingüísticas por causa das atitudes dos falantes mais do que por causa dos traços gramaticais das formas lingüísticas. Língua é , pois, neste sentido, um conjunto de variedades.
Consideremos agora alguns fatos lingüísticos. Pouco se sabe sobre as línguas a despeito dos séculos de trabalho a elas dedicados, mas algumas coisas são evidentes. A mais evidente de todas é que as línguas estão estreitamente ligadas a seus usuários, isto é, aos outros fatos sociais. Não são sistemas que pairam acima dos que falam, e não estão isentas dos valores atribuídos pelos que falam.
Um outro fato evidente é que as línguas variam. Não se sabe de nenhuma língua que seja uniformemente falada por velhos e jovens, homens e mulheres, pessoas mais e menos influentes, em qualquer circunstância. Este fato faz das línguas um objeto extremamente complexo não só pela dificuldade, já de si enorme, de se descobrira totalidade das regras gramaticais encontráveis e a sua natureza (se categóricas ou variáveis), mas também por causa da extrema dificuldade em se fixar o limite entre o que é e o que não é lingüístico. Tomar uma decisão sobre este aspecto já é assumir concepções em geral não inocentes no campo ideológico. De uma certa maneira, é um problema análogo ao da separação entre a economia e a política.
Um terceiro fato evidente é que as línguas mudam. As gramáticas do tipo 1 fazem o possível para ser insensíveis a esta realidade, mas ela é tão forte que mesmo elas acabam por dobrarse, embora parcial, tardiamente e apenas segundo uma razão: por se pautarem nos "bons escritores", que sempre incorporam formas novas ou mesmo criam formas alternativas. 0 que tais gramáticas não fazem é associar o fato da mudança ao fato da variação, inerente às línguas naturais, por causa dos valores que os usuários atribuem a formas distintas.
Um outro fato que não pode ser esquecido é que a variedade lingüística estudada e aconselhada por gramáticas do tipo 1 é fruto de um longo e minucioso trabalho explícito voltado não sobre a 1 íngua, no sentido c, mas sobre uma de suas variedades, para "aperfeiçoála". Um dos resultados deste trabalho é a apresentação desta variedade como se ela não tivesse a mesma origem das outras. Em resumo, aquilo que se chama vulgarmente de linguagem correta não passa de uma variedade da língua que, em determinado momento da história, por ser a utilizada pelos cidadãos mais influentes da região mais influente do país, foi a escolhida para servir de expressão do poder, da cultura deste grupo, transformada em única expressão da única cultura. Seu domínio passou a ser necessário para ter acesso ao poder. 0 que precisa ficar claro é que esta variedade, a mais prestigiada de todas, tem a força que tem em função de dois fatores, ambos desligados de sua, digamos estrutura: pelo fato de ser utilizada pelas pessoas mais influentes, donde se deduz que seu valor advém não de si mesma, mas de seus falantes; e por ter merecido, ao longo dos tempos, a atenção dos gramáticos, dos dicionaristas e dos escribas em geral, que se esmeraram em uniformizá-la ao máximo, em adicionarlhe palavras e regras que acabaram por torná-la, efetivamente, a variedade capaz de expressar maior número de coisas. Não necessariamente de expressar melhor, mas de expressar mais. As outras variedades ou foram confinadas ao uso no diaadia ou para finalidades muito bem definidas pela sociedade.
Resumindo, há fatos básicos em relação às línguas que não podem ser esquecidos, a não ser por uma certa vontade política: a) que as línguas não existem em si; b) que elas variam, isto é, não são uniformes, num tempo dado; c) mudam, isto é, não são iguais em dois tempos diferentes, nas suas variedades; d) em certas sociedades, há uma variedade que merece tanta atenção, tanto trabalho de normalização e de criação e/ou incorporação, e em torno de cujas virtudes se faz tamanha pregação que todos acabam por concordar que esta variedade é a 1 íngua, sendo as outras formas imperfeitas e desviantes da língua (da significando aqui não pertença, mas ponto de partida).
Pode parecer que se trate de preciosismo verbal, mas é preciso acentuar que no interior das línguas não há variantes, termo que pode dar a idéia de que uma forma deriva, bem ou mal, de outra, que é superior, melhor, mas apenas variedades, isto é, formas coexistentes. Eventualmente, uma forma de uma variedade pode ter sido emprestada de outra, como há empréstimos de língua para língua e conseqüente adaptação. E é preciso dizer com todas as letras que todas as variedades são boas e corretas, e que funcionam segundo regras tão rígidas quanto se imagina que são as regras da "língua clássica dos melhores autores". As variedades não são, pois, erros, mas diferenças.
Não existe erro lingüístico. 0 que há são inadequações de linguagem, que consistem não no uso de uma variedade, ao invés de outra, mas no uso de uma variedade ao invés de outra numa situação em que as regras sociais não abonam aquela forma de fala. Assim, é tão inadequado (não errado) dizer-se "Vossa Senhoria quer fazer o obséquio de me passar o sal" numa refeição em família quanto dizerse "O, meu chapa, qué fazê o favor di demití o Ministro X que ninguém mais tem saco pra guentá ele?" ao Presidente da República numa reunião do Ministério. Mas não se diga que esta última frase está errada. Ela é uma frase do português, tem regras próprias. Nos exemplos, tratase apenas de gafes análogas a ir à praia de smoking ou a um jantar formal de bermudas. 0 "erro", portanto, se dá sempre em relação à avaliação do valor social das expressões, não em relação às expressões mesmas. Não fosse assim, seria como considerar mal acabado um colete por não ter mangas.
Digamos mais diretamente, então, o que há de político nas gramáticas. Em gramáticas do tipo 1, o que há de político é mais do que evidente. Elas são excludentes em alto grau. Em primeiro lugar, excluem a fala, considerando propriamente corretas apenas as manifestações escritas (ou as faladas que as repetem, que continuam, na verdade, sendo escritas ... ). Sabe-se que a escrita, como nós a conhecemos, é posterior à fala e foi construída sobre ela, embora esteja claro que as duas modalidades são diversas em numerosos aspectos que não cabe aqui tratar. Ao eleger a escrita, não elegem qualquer manifestação escrita. Adotam como modelo a escrita Iiterária. Ora, é evidente que a literária não é a única escrita, nem a melhor. É uma dentre elas, e só é melhor para a literatura. Mas isso não é tudo. Ao eleger a escrita literária, elegem alguns escritores, ou ainda uma seleção de suas obras inclusive para evitar imoralidades. Selecionam apenas os clássicos. Uma das características dos clássicos, na verdade a mais relevante para as gramáticas (e para representar bons usos da língua!) é serem antigos. De degrau em degrau, excluindo a oralidade, a escrita não literária, a escrita Iiterária moderna, o que tais gramáticas nos apresentam é antes de mais nada uma Iíngua arcaica em muitos de seus aspectos. Esquecem estas gramáticas que tais clássicos foram, em seu tempo,, freqüentemente apedrejados pelo "mau uso da linguagem", porque então também havia os clássicos a serem imitados.
Em segundo lugar, uma gramática assim pensada e construída exclui a variação, tanto a oral como a escrita. As variedades regionais são, para ela, regionalismos, e merecem tratamento tão desprezível quanto os estrangeirismos, elencados entre os vícios de linguagem. As variedades sociais eventualmente trazidas para os textos pelos escritores ou são folclore ou concessão incompreensível ao mau gosto. É pois política, absolutamente falta de senso histórico mas não ingênua, a atitude purista e arcaizante, por considerar sem valor, erradas, frutos da falta de cultura e do desleixo as manifestações não avalisadas por um estreito e freqüentemente mau "bom gosto". 0 preconceito contra qualquer manifestação lingüística popular é escandaloso nas gramáticas deste tipo. Maurizio Gnerre afirma que a língua é o único lugar em que a discriminação é aceita. Em nenhum documento está dito que não se tem o direito de discriminar alguém por causa de seu sotaque ou de qualquer outra peculiaridade lingüística, embora se condene claramente a discriminação quando baseada em fatores como religião, cor, ideário político etc. Diria que não só não se trabalha em favor do fim da discriminação lingüística, como, pelo contrário, cada vez mais se valoriza a língua da escola, que é na verdade a língua do Estado.
Gramáticas do tipo 2 são políticas em três sentidos, pelo menos: a) em primeiro lugar porque, embora se baseiem na oralidade, a construção dos modelos e, na verdade, o corpus utilizado levam sempre, imperceptível mente talvez, para a consagração da variedade padrão como representante ideal das regras da língua. A melhor demonstração desta atitude é que o estudo da variação Iingüística cabe a um ramo interdisciplinar, a sociolingüística, não à lingüística mesma; b) em segundo lugar, tais gramáticas são políticas na construção e delimitação do objeto: conforme o que excluem ou incluem no objeto da teoria, efetuam um recorte dos fenômenos que imediatamente denuncia as ligações ideológicas da teoria gramatical com certas concepções de outros fenômenos sociais. Casos evidentes são o estruturalismo americano, ligado diretamente ao behaviorismo, e a gramática gerativa, que apela fortemente para o inatismo. Compare-se, também, a concepção de signo em Saussure e em Voloshinov; c) pela exclusão que tais gramáticas promovem do aspecto histórico das I ínguas, das razões sociais das mudanças. A doutrina da precedência da sincronia vem de par com uma concepção de língua como sistema independente de fatores extralingüísticos, excluindo totalmente o papel da história e das reais relações entre os falantes.
As gramáticas do tipo 3 são evidentemente políticas. Neste caso, no entanto, não necessariamente a marca política é imposta por grupos de poder especializados. É a própria comunidade que fala a língua que trabalha politicamente, impingindo normas de linguagem, e excluindo os que não se submetem. Neste sentido, os próprios falantes promovem o máximo possível de normalização ou de especialização de variedades, atribuindo valores às formas lingüísticas. Em comunidades de maior escolaridade, é claro que gramáticas do tipo 1 interferem em gramáticas do tipo 3. Daí porque normas e concepções daquelas gramáticas podem encontrarse reproduzidas nestas, e a comunidade, embora. exercite a diversidade , considera explicitamente uma forma de falar melhor que outra. A forma mais valorizada coincide com a forma padronizada pelas gramáticas.
E, no entanto, não existe nenhuma variedade e nenhuma língua que sejam boas ou ruins em si. 0 que há são. línguas e variedades que mereceram maior atenção que outras, segundo necessidades e eleições historicamente explicáveis. Necessidades e eleições claramente políticas. Fischman, em seu Sociology of language, menciona quatro atitudes básicas adotadas em relação a variedades privilegiadas, que as valorizaram sobremaneira.
Padronização: consiste na codificação e aceitação, dentro de uma comunidade lingüística, de um conjunto de hábitos ou normas que definem o uso "correto" (Steward). Este é um assunto típico dos guardiães da língua: escritores, gramáticos, professores, etc., isto é, de certos grupos cujo uso da I íngua é profissional e consciente. Codificase a língua e ela é apresentada à comunidade como um bem desejável. Em seguida, promovese a variedade codificada, por meio de agentes e autoridades como o governo, sistemas de educação, meios de comunicação etc. 0 que é importante verificar, nesta tarefa, é que ela é efetuada sobre uma variedade que, antes de ser trabalhada, é (considerada) cheia de "defeitos e lacunas". A padronização não é, pois, uma propriedade da língua, mas um tratamento social. Consiste em fazer passar por natural o que é criado.
Autonomia: é uma atitude que se preocupa com a unidade e a independência do sistema lingüístico, erigindo-o freqüentemente em condição “sine qua non” da unidade nacional. 0 principal instrumento da autonomia é a padronização, através de gramáticas e dicionários, meio seguro de representar a autonomia e de aumentála, fixando as regras e aumentando o léxico. "Os heróis não nascem, são feitos". 0 mesmo vale para a autonomia das línguas.
Historicidade: Fischman utiliza uma analogia interessante: buscar sua própria ascendência é uma das características dos novos ricos.
Da mesma forma, as línguas, para aparecerem como autônomas, exigem um esforço de reconstrução de seu passado, para descobrir sua "honrosa estirpe". Nada melhor do que derivar do latim, desde que não se diga em voz muito alta que foi do latim dos soldados. . .
Vitalidade: atitude que se preocupa com a manutenção da língua e sua difusão de vez que, quanto mais numerosos e importantes os falantes, maior a autonomia, a historicidade e a vitalidade. Esta postura fica clara em muitos lugares, mas é interessante verificar que funcionou como justificativa para a confecção das primeiras gramáticas do espanhol e do português. Os autores alegavam coisas como "um grande império merece uma grande língua", "as gramáticas são necessárias para que a língua possa ser levada para as colônias, para que lá possa permanecer mesmo quando terminar a dominação política". Bastariam declarações como estas, aliás, para demonstrar claramente a relação da gramática com a política, principalmente no caso das gramáticas pedagógicas, relação que é extremamente bem manifesta nas quatro atitudes enumeradas por Fischman.
A adoção de gramáticas do tipo 1 pelas escolas é bem um sintoma de que elas pouco se preocupam em analisar efetivamente uma língua mas, antes, em transmitir uma ideologia lingüística. Se considerarmos que aquelas gramáticas adotam uma definição de língua extremamente limitada, que expõem aos estudantes um modelo bastante arcaico e distante de experiência vivida, mais do que ensinar uma língua, o que elas conseguem é aprofundar a consciência da própria incompetência, por parte dos alunos. 0 resultado é o aumento do silêncio, pois na escola não se consegue aprender a variedade ensinada, e se consagra o preconceito que impede de falar segundo outras variedades. E isto é politicamente grave, porque, segundo Foucault ,e o discurso não é simplesmente o que traduz as lutas ou os sistemas de dominação mas o por que, aquilo pelo que se luta, o poder cuja posse se procura".
29/06/2001
12:42:40
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De: Professora Ana
Vellasco (vellasco@brnet.com.br)
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"AS SETE PRAGAS DO
ENSINO DE PORTUGUES"
Texto do Professor Doutor Carlos Alberto Faraco e-mail: cfaraco@netpar.com.br (Universidade Federal do Paraná) 0 título deste artigo é bastante generoso. Há bem mais que sete pragas, mas cremos que, com aquelas arroladas aqui, é possível demonstrar que muita coisa vai mal no ensino de 1 íngua portuguesa em nossas escolas de 19 e 29 graus, com graves conseqüências para a vida do indivíduo e da nação. Chamamos de pragas certas atividades rotineiras que constituem a essência de um determinado tipo de ensino de português, qualificável de tradicional, cujos resultados têm sido os mais negativos possíveis, como procuraremos demonstrar abaixo. Opomonos a isso, tomando posição em favor de um ensino que resulte positivo, possível apenas se fundamentado na lingüística. Tomando por base os alunos de nossas universidades (o exemplo é bem apropriado, porque são eles que constituem o topo da famosa pirâmide educacional brasileria e foram, portanto, submetidos a onze anos de ensino), verificamos, desolados, que a grande maioria tem acentuadas dificuldade de expressão oral e escrita, pouca ou nenhuma leitura, incapacidade de interpretação de textos, completo desprezo pela linguagem. Ainda há pouco, a revista VEJA, como acontece periodicamente na imprensa brasileira, dizia: 0 que antes parecia ser apenas incômoda suspeita, emerge agora como brutal realidade: os universitários brasileiros, ressalvadas as exceções, tem dificuldades de expressão oral e escrita, vivem num mundo quase sem palavras, esvaziado de idéias, e perdem aos poucos a capacidade de pensar. Mais: submetidos a provas em que lhes seja exigido um mínimo de reflexão e de esforço, revelam um completo despreparo intelectual, praticam grosseiros atentados contra o vernáculo e contra a própria cultura universa 1. Publicado originalmente na revista CONSTRUTORA, ano 111, nº 1, p. 512, 1975. Ora, essa "brutal realidade" é alarmante, pesadas as conseqüências. 0 ensino de português tem se mostrado inútil (os resultados negativos nos autorizam tal classificação). Recursos humanos e materiais têm sido criminosamente desperdiçados numa atividade vazia de significado: onze anos de escola e o indivíduo está menos instrumentalizado lingüisticamente que ao entrar na escola. É claro que, em termos gerais, a problemática do ensino de português se insere na crise global da Educação brasileira. Particularmente, contudo, há que se considerar o fato de os professores desconhecerem totalmente os resultados dos estudos lingüísticos e suas inevitáveis conseqüências para o magistério de língua materna. Imaginar, hoje, um ensino de 1 íngua materna sem adequálo ao que se conhece da linguagem, é estar atrasado no tempo, além de ser prejudicial aos interesses individuais e nacionais. Talvez, nenhum outro trabalho didático esteja potencialmente tão bem fundamentado como o ensino de 1 íngua. Infelizmente, porém, os progressos da lingüística e das duas ciências interdisciplinares (a psicolingüística e a sociolingüística) não chegaram ainda às salas de aula. Nos cursos de Formação, em nível de 2º grau, para o Magistério (antigos cursos normais), nem se sonhou ainda com um embasamento lingüístico das futuras professoras. Nos cursos de Letras, apesar de a lingüística constar, obrigatoriamente, dos currículos, pouco se tem feito em termos de lingüística aplicada. E, quando alguma coisa se faz, o trabalho se perde devido à desarticulação do ensino superior: os professores da área pedagógica (em especial os de Prática de Ensino), geralmente desinformados dos estudos lingüísticos (louvemse as exceções), pouco contribuem para uma combinação de esforços que leve a um preparo mais completo do professor de língua. Neste trabalho, pretendemos analisar alguns dos males do ensino de português, com a intenção de despertar em todos os que estão direta ou indiretamente relacionados com este ensino, uma reflexão crítica que conduza à urgente tarefa de revolucionálo, por meio da extensão dos resultados da lingüística à Educação, assunto de que nos ocuparemos em trabalhos futuros. Mas, vamos às pragas!! 1ª praga: LEITURA NÃO COMPREENSIVA Grande tem sido a preocupação dos professores (em especial no início do 1º grau) com o aprimoramento da mecânica da leitura. Indiscutível o valor desta mecânica, no sentido de desenvolver a leitura clara e fluente. Esta habilidade, porém, é mero passo em direção a objetivos qualitativamete superiores (que devem começar a ser atingidos desde os primeiros anos da escola), ou seja, a penetração na mensagem e a apreciação crítica desta, atividades relegadas, atualmente, a um plano secundário, quando não esquecidas de todo. 0 aluno brasileiro 1ê, como diz conhecido educador, como agulha de vitrola: vai passando pela trilha e produzindo som". Conseqüência: 0 resultado desta falta de hábito de leitura compreensiva e crítica é a incapacidade dos universitários (e do cidadão comum) de entender um texto e de analisálo criticamente (observese a situação dos próprios professores que se mostram, por exemplo, incapazes de uma análise crítica da gramática tradicional!). 2º praga: TEXTOS "CHATOS" Chato está aqui para representar todo aquele conjunto de textos desligados da realidade e da cultura nacionais, afastados dos interesses e das necessidades das crianças e adolescentes e que inundam as nossas escolas, via livros didáticos, Conseqüência: Ninguém toma gosto pela leitura (como cativar os alunos para a leitura se lhes oferecemos textos intragáveis?) e pouco de conteúdo se tira das aulas de português, justamente nessas faixas etárias em que mais queremos saber das coisas da vida e do mundo! (Como lhes ser úteis com textos que nada lhes dizem?). 3ª praga: REDAÇõES TORTURA Queremos que nossos alunos escrevam, mas não lhes criamos as condições para tal. 0 processo rotineiro de orientar a redação tem sido mais ou menos assim: damos um título (silencioso por excelência porque coisa alguma lhes sugere!) ou aumentamos o sofrimento deles, deixando o tema livre e esperamos tranqüilos o fim da aula para recolher o produto suado daqueles angustiados minutos. Todos sabemos o quanto nos custava atingir os limites mínimos de linhas (estes limites são indispensáveis neste processo, do contrário ninguém escreve nada!). Mas, assim mesmo, continuamos a submeter nossos alunos a essa tortura monstruosa que é escrever sem ter idéias. Conseqüência: Os alunos deixam a escola sem saber redigir, sem ter desenvolvida a capacidade de escrever (escrever é muito mais que desenhar letras no papel . . . ), incapazes de preencher, de modo intelegível, algumas poucas linhas. 4ª praga: GRAMATICA: CONFUSÃO 0 ponto nevrálgico do ensino de protuguês tem sido o estudo da teoria gramatical. Vale dizer, o aluno é capaz de passar onze anos sem manter contacto direto com a língua em si. 0 que lhe oferecemos é apenas a metaI íngua (conceitos, regras, exceções ... ), na ilusória certeza de estarmos ensinando a língua. Ocupamos a maior parte do tempo com falatórios sobre a 1 íngua (em vez de ensinála) e com exercícios de aplicação dessa teoria toda (em vez de exercícios de dom ínio de língua). Estamos assumindo aqui (e voltaremos à carga em outras opor tunidades) uma posição contrária ao ensino da teoria gramatical (isto é, o domínio da teoria gramatical NÃO deve ser objetivo do ensino de português) por dois motivos. Primeiro, porque é possível dominar uma língua sem conhecer um pingo sequer da teoria gramatical. Segundo, porque a teoria que corre por aí, é incompleta (não dá conta da língua portuguesa como um todo); é absurda (os coitados de nossos alunos têm de aprender, por exemplo, que o sujeito é elemento essencial da oração; logo adiante, porém, essencial já não significa mais essencial, porque há orações sem sujeito . . . ); é confusa (os conceitos são inadequados). É um crime, portanto, encher a cabeça de nossos alunos com algo inútil (o conhecimento, da teoria não contribui significativamente para o domínio da língua), confuso, incompleto e absurdo. Conseqüência: Os alunos não aprendem nem a teoria, nem a língua, estabelecendose, em suas mentes, tremenda confusão a lhes inibir, para o resto da vida, a expressão e a comunicação. SP praga: CONTEUDOS PROGRAMATICOS INUTEIS 1º fato: No ensino de português, a seleção do conteúdo tem sido feita, tomando por base as gramáticas tradicionais. Problema 1: Os professores, incapazes de interpretar os programas (não compreendem que não é a nomenclatura nem a teoria que devem ser ensinadas; não compreendem que a nomenclatura está apenas a representar o fato da língua, este sim, verdadeiro objeto do ensino! ) passam a ensinar a codificação gramatical em lugar de ensinar a língua. Citemos, como exemplo, o caso das preposições. Os alunos são obrigados a decorálas (a, antes, após, até , ... ). Não há função nenhuma nisso; mas, por que ocorre? Porque os professores não sabem ensinar preposições sem falar em preposição! Portanto, o ensino da língua foi desviado para o ensino da teoria gramatical, donde surge novo problema: Problema 2: Como o que tem sido ensinado é o conteúdo das referidas gramáticas e este não resiste a uma crítica, o conteúdo programático da disciplina está totalmente defasado. 29 fato: A distribuição do conteúdo pelas diversas séries é arbitrária. Problema 1: Não existe adequação do conteúdo à capacidade dos alunos. Chega-se ao cúmulo de se ensinar assuntos altamente especializados (próprios para o estudioso de Letras, mas completamente fora de propósito na escola de 1º e 29 graus). Exemplo típico disso é o estudo da classificação das vogais e consoantes. Problema 2: Assuntos que deveriam constar de manuais apenas como ponto de referência para uma eventual consulta (eventual, em razão da raridade da ocorrência), passam para os programas escolares, para os livros didáticos e os alunos são obrigados a retêlos, num evidente desperdício de energia mental, sobrecarregando a memória com uma carga inútil de informações desnecessárias. Estão incluídas, aqui, coisas como as vozes dos animais (alguém poderia justificar a presença deste assunto nos livros didáticos e no ensino?), certos coletivos (atilho, cainçalha, coldra, chorrilho , . . . ), certos "femininos" (deão, felá, grou, landgrave, margrave, doge , ... ), a grande maioria dos "adjetivos pátrios" (Que o indivíduo que nasceu na Província do EntreDouroeMinho, Portugal, saiba que ele é um interamnense, vá lá; mas que um nascido em Pinhais, Paraná, deva necessariamente saber, tenha dó!) certos "numerais" (septingentésimo, nongentésimo, . . . ), "aumentativos e diminutivos" (naviarra, fogacho, homúnculo, diabrete, ... ),certos "adjetivos eruditos" (cinegético, belu íno, 1 ígneo, equóreo, porcino, . . . ). Problema 3: Insiste-se no domínio ativo de formas arcaicas (Vós, algumas regências, "mesóclises" esdrúxulas, . . J. Conseqüência: Cria-se no indivíduo uma falsa idéia sobre a 1 ínqua (Quantas coisas realmente importantes ficam de fora!) e sobre o estudo da língua (pensase que estudar a língua é só aprender essa matalotagem de coisas inúteis!). Daí, decorre o desprezo pela língua e a incapacidade de aprimorar o domínio do instrumento lingüístico. Decorrem daí, também, essas monstruosidades que são as provas de português dos concursos para ingresso em organizações públicas e particulares, dos exames supletivos e dos vestibulares (sem esquecer, é claro, das provas nas escolas ... )! 6ª praga: ESTRATÉGIAS INADEQUADAS Parece-nos evidente que, dentro do tipo de ensino que vimos analisando, as estratégias só poderiam ser inadequadas. Afora as já comentadas (orientação da leitura e da redação), destacaremos apenas algumas para efeito de comprovação: a) Correção de textos: É comum se ouvir dos professores a máxima que proíbe mostrar o erro ao aluno, atividade taxada de antipedagógica. Contudo, estes mesmos professores, inexplicavelmente, nas aulas de português, se deliciam em apresentar textos cheios de erro, para que seus alunos corrijam. Chegouse a inventar a famigerada aula do erro; as redações são devolvidas, pintadas de vermelho: a violência da cor a destacar o erro! Reportemo-nos a Chaves de Melo: Não atinaram os incautos que ninguém pode aprender a manejar com firmeza a língua depois de se ter debruçado amorosamente sobre centenas de frases erradas ou monstruosas. Não reparam os desprevenidos que a obsessão do erro só pode gerar insegurança, inquietação e, pior do que isso, perda do senso estilístico. b) Ortografia por regras ou por lacuna: 0 domínio da ortografia é tipicamente uma habilidade motora, impossível de ser adquirida pela memorização de regras (de que me adiante saber as palavras de origem ameríndia, africana ou popular se grafam com 'j'? Ou que o W inicial é obrigatório sempre que etimológico?), ou pelo simples preenchimento de lacunas em palavras soltas (quando escrevemos, não o fazemos por meio de preenchimento de espaços em branco ou por meio de palavras soltas, isoladas de contexto!). c) Estudo através de listas: Há listas enormes de femininos, plurais, plurais de compostos (obrigase o aluno a decorar as regras desse tipo de pluralização, coisa totalmente destituída de significado, já que, no ato da fala, não temos tempo para classificar os elementos do composto, lembrar da regra e aplicála!), diminutivos, aumentativos, radicais, prefixos, sufixos, sinônimos e antônimos, conjugação verbal, conjunções, ... (vd. comentário na SP praga). Será que nunca ninguém percebeu que não falamos reunindo listas? Que os elementos lingüísticos só funcionam em contexto (e, portanto, só aí é que podem ser adquiridos)?? Esta estratégia é de tal modo viciada que os estudantes decoram as formas sem aprender seu respectivo significado (justamente, porque fora de contexto)! Conseqüência: 0 ensino de português inibe o falante, confun,deo no uso das formas lingüísticas e dálhe insegurança no uso da língua (o medo de errar, causador freqüente da hipercorreção ou da inibição). Este tipo de ensino incentiva, pelo Brasil afora, aquelas ridículas e irritantes brigas por quest iúncu Ias de gramatiqu ice ou as famosas brigas ortográficas (destas a mais recente e amplamente divulgada pela imprensa nacional, envolveu a, forma "correta" de grafar ERE (x 1 ch) 1 M!!). 7a. praga: LITERATURA-BIOGRAFIA Há todo um sistema de se "ensinar" literatura que consiste em coletar dados biográficos dos autores e arrolar suas obras. Saíu de um desses professores a brilhante expressão literatura é decoreba"! Tornouse possível ensinar literatura em nossas escolas, sem que os alunos entrem em contacto com textos!! CONCLUSÃO Não houve propósito, neste artigo, de se oferecer alternativas para o ensino de português. Pretendeu-se apenas contribuir para uma análise crítica que nos conduza à necessidade de repensar e reorganizar este tipo de ensino. Como conclusão, ficam estas palavras: Sabemos que grau de abnegação é necessário para que o professor, primário ou secundário, recoloque em causa aquilo que ensina, em certos casos depois de muitos anos. Mas sabemos que não hesitará se estiver convencido de que o futuro de seus alunos está em jogo. |
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