DESCONCORDÂNCIAS
PLURAIS
Alexandre
Luís GONZAGA - UEMS
RESUMO: A pesquisa desenvolve uma
investigação sobre dificuldades com a sintaxe de concordância de número em
trabalhos de conclusão de curso (TCC) de um curso de letras. A pesquisa foi
realizada em uma amostra de trabalhos de conclusão de curso de um centro
universitário localizado em região interiorana do estado de Mato Grosso do Sul
que atende alunos oriundos principalmente do ensino público. As ocorrências de
discordâncias verbo-nominais nos textos aparecem porque, pressupõe-se, que os
autores não tenham conseguido separar o que seria produção textual escrita da
oralidade, assim, as divergências nas concordâncias verbais e nominais seriam a
marca de oralidade que fazem parte do contexto de interação onde se tem o
falante e o ouvinte na mesma circunstância contextual. Os resultados permitiram
propor a hipótese de que os anos de estudo no ensino superior não são
suficientes para levar o aluno a aderir plenamente à norma culta da língua e
que quando passarem a exercer a função de professores de língua portuguesa
reproduzirão essas características linguísticas com seus alunos. Observou-se a
presença de marcas de oralidade que permeiam estes textos e que os acadêmicos
apresentam dificuldade de fazerem a concordância de número quando as sentenças
são extensas levando-os a perderem a referência principal quando constroem
frases complexas, que comumente aparecem em textos de caráter científico.
PALAVRAS-CHAVE: Concordância
verbo-nominal, desvio linguístico, formação de professores.
A fala e a escrita, tudo junto e misturado.
O ensino de Língua
Portuguesa nas escolas precisa ser revisto. Esta afirmação, ou pelo menos a
ideia que ela contém está se tornando um lugar comum passível de ser observada
em diversos estudos acadêmicos. O que se observa também é que a imposição da
gramática normativa como parâmetro da norma culta que deve ser ensinada nas
escolas tem consequências que reverberarão até ao ensino superior.
Há um grupo de fatores
motivadores para que alunos cheguem ao nível superior com algumas limitações na
língua materna nas instâncias oral e escrita. Essas limitações acarretam
dificuldades em compreender adequadamente os conteúdos e restringe a atividade
intelectual superior, e, consequentemente, o insucesso no exercício
profissional. O conjunto de fatores limitantes pode ser segmentado em família,
meio social, ensino nos níveis básico, fundamental e médio. O meio familiar e
social é responsável pelas variações dialetais do aluno, mas o grande
responsável de ensinar a norma padrão da língua é a escola, que lhes deveria
preparar para as atividades acadêmicas no nível superior.
Podemos perceber que os
alunos egressam da universidade com dificuldade de expressão escrita que mostrará
seus efeitos nefastos na redação de textos dos egressos nas diversas ordens de
gênero textual. Disto decorre que o egresso que vai atuar como professor de
língua materna terá um reduzido nível de exigência tanto em conteúdos quanto em
exercícios de interpretação, análise e síntese que eventualmente aplicarão em
suas aulas.
A diversidade do
português brasileiro, sobretudo dos modos de falar urbano e rural é um aspecto
que chama a atenção nos estudos linguísticos porque essencialmente reflete os
diversos modos de realização oral da língua nas diversas regiões do país. Dai
percebe-se mais facilmente a dicotomia entre a modalidade da língua que é
ensinada nas escolas e a que é praticada socialmente. Outra dicotomia se
constitui nas regras da gramática normativa, que se baseiam historicamente nas
grandes obras literárias e que cujo modelo de língua se transformou em um ideal
que deve ser reproduzido no ensino de um vernáculo castiço.
Entre os diversos
fenômenos que separam a norma culta da fala popular estão aqueles relacionados às
concordâncias nominal e verbal, que tornam a distinção entre os modos culto e
popular mais evidente.
As ocorrências de
discordâncias verbo-nominais nos textos aparecem porque o autor não conseguiu
separar o que seria sua produção textual oral e escrita, ou seja, o aluno em
sua instância de autor teria o texto escrito como uma continuidade do texto
oral sem conseguir diferenciá-los quando necessário. Assim, a divergência nas
concordâncias verbal e nominal seriam a marca de oralidade que fazem parte do
contexto de interação onde se tem o falante e o ouvinte na mesma circunstância
contextual.
Vemos que um dos elementos
que estão envolvidos na questão da oralidade e suas marcas na escrita é o
destravamento da escrita. Escrever, mesmo para autores acostumados ao ofício
nem sempre é tarefa fácil. As palavras são garimpadas na mente e aos poucos são
escolhidas para compor o texto. Como existem mais semelhanças do que diferenças
entre as modalidades oral e escrita da língua, os fatores determinantes que
separam uma modalidade da outra referem-se às condições de produção; na fala as
glosas (produção e revisão do que se diz) acontecem ao mesmo tempo, em outras
palavras, a produção de um enunciado e a revisão do efeito de sentido desejado
acontecem quase simultaneamente. Na modalidade escrita, a produção e a glosa
ocorrem em momentos distintos, mesmo porque a glosa pode não ocorrer na fala
dado que o sujeito enunciador conhece seu enunciatário, oposto do que ocorre
com os textos escritos, onde o enunciador fala para vários enunciatários em um
dialogismo assíncrono.
Em todas as áreas do
conhecimento encontramos aqueles que oferecem dicas para facilitar algum
processo, nas letras a dica mais comumente ouvida é escrever as ideias como
seriam faladas. Podemos dizer que este método funciona, mas ao escrever sobre
determinado assunto do mesmo modo que se o exporia oralmente deixará a escrita
com marcas dessa oralidade. Isso não constitui um problema em si porque durante
o período escolar, espera-se que o então aluno aos poucos passe a falar e
escrever melhor, para Neves (2002) espera-se especialmente que o aluno escreva
melhor e adequado ao padrão culto.
Para Possenti (1996) a
preocupação com o ensino da norma padrão se torna mais perceptível quando se
trata de alguém oriundo das classes populares, onde a norma padrão não é
usual. O ensino da língua materna
baseada na norma padrão teria, então, como desafio preparar o aprendiz a
manipular a língua de modo a utilizá-la como ferramenta nas diversas situações
de uso que se faça necessário o uso da norma padrão.
Neves (2002) fala sobre
aspectos do “falar e escrever melhor” como sendo uma preocupação dos pais, este
aspecto também pode ser visto comumente como requisito para ascensão social.
Para efeito de nossa exposição aqui, consideraremos aqueles indivíduos que
escolheram a carreira das letras como fazer profissional.
Como instrumento de
trabalho, os profissionais da área de letras precisam desde o momento em que
egressam do ensino superior dominar a norma padrão, mesmo que se possa
observar, tanto na fala quanto na escrita, variações geográficas uma vez que a
heterogeneidade, acreditamos, seja um fenômeno inevitável.
Na apresentação do
curso de letras de onde foi retirada uma amostra de trabalhos de conclusão, o
dizer sobre o que o aluno deve esperar do curso é que domine vários aspectos da
linguagem (gramática da língua – história, estrutura, variações e literaturas).
Assim, o que o aluno deve aprender no ensino superior de letras pode ser visto como
um desdobramento do objetivo da escola, que é ensinar o português padrão “ou,
talvez mais exatamente, o de criar condições para que ele seja aprendido”
(POSSENTI, 1996, p. 16).
O meio acadêmico onde
estão os linguistas é o mesmo meio onde estão os gramáticos e defensores do
vernáculo castiço. Se observarmos desvios da língua em trabalhos acadêmicos,
mesmo aqueles incipientes como o são os trabalhos de conclusão de curso, os
desvios são vistos como erros por ambos os lados, alguns vistos como crassos e
inaceitáveis. Assim, não estamos defendendo os desvios ou erros como tendo
direito a existência, mas eles existem, ocorrem com relativa frequência. O que
se põe é como ajudar a eliminar esses desvios se como observaremos adiante, o
ensino superior não foi capaz de resgatar e preservar a norma padrão, evitar as
violações linguísticas.
Se o aluno transcende o
período de aprendizado escolar, ingressa e egressa do nível superior ainda com
dificuldades na língua escrita, percebemos, então que o tratamento dado ao
ensino pode conter alguma falha estrutural, além da superfície, necessitando de
um modo de ver o ensino da língua mais profundo. Sobre essa constatação, Neves
diz:
Parece-me
que, basicamente, [...] o que falta à escola – em todos os níveis, inclusive na
universidade – é conseguir considerar a linguagem em funcionamento, o que
implica, em última análise, saber avaliar as relações existentes entre as
atividades de falar, de ler e de escrever, todas elas práticas discursivas,
todas elas usos da língua, nenhuma delas secundária em relação a qualquer
outra, e cada uma delas particularmente configurada em cada espaço em que seja
posta como objeto de reflexão (2002, p.240).
Por reflexão a autora
quer dizer que deva ser dado ao ensino da língua com o uso de gramáticas um
tratamento cujo objetivo vise ao uso linguístico.
As frases que contém
discordância de número, seja porque o sujeito esteja no singular e verbo no
plural ou outras formas decorrentes de verbos no infinitivo, não deixam de
mostrar que possuem marcas suficientes para indicar pluralidade, nessa linha, Possenti
(1996, p. 67) aponta que a pluralidade é indicada de modo redundante pelo
sujeito e pelas desinências, no entanto, a pluralidade é indicada muitas vezes
só no sujeito. A falta de concordância pode ser efeito de uma tentativa de
construção de uma sentença longa, e que ao final, preocupado com a ideia
principal, aquela que dá sentido à ideia que quer transmitir, o autor do texto
acaba por misturar os modos singular e plural, o que se daria no processo de
construção de um texto mais complexo, para o qual não foi preparado.
São comumente
observáveis dificuldades dos alunos na assimilação da norma padrão no texto escrito,
tendência acentuada pelo distanciamento dos grandes centros urbanos. Com isso,
a instituição escolar tem majorada sua dificuldade em relação ao ensino da
língua quanto mais distante da norma padrão for a fala do estudante.
Os alunos que ingressam
no ensino superior trazem deficiências não supridas nos níveis fundamental e
médio, e estas variam sensivelmente em grau de capacidade de expressão nas
modalidades oral e escrita. Estas dificuldades são em certa medida superadas,
mas não completamente sanadas e, acreditamos, serão fatores de insucesso
profissional na área escolhida pelo aluno. Uma parcela significativa destes
alunos foi beneficiada por políticas públicas afirmativas e sistemas de reserva
de vagas para ingresso no ensino superior. Todavia, algumas destas políticas
pressupõem a escrita como um fator independente de contextos sociais e outros
condicionantes que afetam o letramento, e que eventuais deficiências são
problemas cognitivos individuais do aluno.
O
corpus de análise
As amostras desta
pesquisa foram colhidas a partir de leitura de trabalhos de conclusão de curso de
um curso de letras de uma instituição de ensino superior situada no município
de Nova Andradina. As amostram foram agrupadas em três conjuntos, no conjunto
denominado “a” a característica comum são os plurais inadequados ou
incompletos, e no conjunto “b” o fator aglutinador foi a presença de outras
marcas de oralidade e no conjunto “c” é a presença de aspas em termos da
sentença indicando talvez um novo sentido, mas que não é explicado em qualquer
momento posterior à ocorrência do sinal gráfico.
A microrregião de Nova
Andradina, pertencente à mesorregião do Leste de Mato Grosso do Sul, até 2009
contava com um curso superior em letras em universidade pública e dois cursos
em instituições privadas; neste mesmo ano foi encerrado o curso ofertado na
universidade pública e dois anos depois os cursos ofertados em instituições
privadas também foram encerrados.
Quando observamos as
relações entre os elementos constituintes das frases elaboradas pelos alunos,
podemos observar na estrutura da sentença que estão presentes os princípios da
coesão, porém em um grau mais fluído, às vezes delido.
Conjunto A
(1)
[...]
surgiram consequências que prevaleceu até hoje no Brasil. [TCC 2]
(2)
[...]
a definição de sujeito não faz jus quanto aos casos que aparece nas orações
acima citado. [TCC2]
(3)
[...]
mas imagina-se que os estudos da linguística sejam mais antigo, [...]. [TCC2]
(4)
[...]
há várias regiões com características próprias, diferentes, que acaba
depositando influência sobre a língua. [TCC2]
(5) [...] o aprendizado se baseia
em situações comunicativas possível, da realidade do aluno. [TCC2]
(6) “[...] dialetos encontrados
aqui no Brasil por exemplo, que iremos chamar de variedades linguísticas, cada
um recebem características próprias de sua região o que ira diferenciá-lo dos
outros, nem por isso são errados”
No excerto (1), o
sujeito-autor coloca dois verbos neste segmento sentencial e faz o segundo
verbo concordar com o que chamamos de núcleo do sentido, no caso, “Brasil”. O
esquema sugere uma propensão à concordância com os elementos constituintes da
sentença cujo sentido dele depende, sugere também uma preocupação com o expor determinada
ideia antes que se desvaneça na mente do enunciador sem que haja preocupação
com e estrutura da sentença, ou seja, o que foi escrito reflete como foi
pensado, há uma regularidade dentro de uma aparente concordância aleatória.
Observemos em (6) que neste
caso, o que se observa é o fenômeno da hipercorreção, com o sujeito-autor
estruturando a frase toda no plural, cai numa espécie de armadilha ao dizer
sobre “dialetos” e depois muda para o singular em “cada um”, contudo o verbo da
ação permanece no plural, contaminado pelo número predominante da estrutura.
Podemos deduzir que, então, o enunciador da sentença tendeu a fazer a
concordância verbal em função do sintagma nominal cujo sentido da sentença dele
depende.
(7) A justificativa deste
trabalho é a grande quantidade de materiais que são utilizados em sala de aula
e que pouco contribui para a aprendizagem da língua, talvez por serem
ultrapassados e já não atenderem as necessidades atuais, ou por estarem muito
fora da realidade dos alunos com os quais é trabalhado, [...].(TCC3)
(8) [...] pois todos eles [os
professores] mostram-se preocupado em integrar o aluno ao planejamento.(TCC4)
(9) Os professores utilizam as
horas-atividades para planejar o que irão trabalhar na semana seguinte,
seguindo o planejamento bimestral.
(10) [...]houve a formação de
oligarquias sul-mato-grossense pelo reconhecimento [...]. (TCC5)
(11) Forma-se novas oligarquias.
(TCC5)
(12) [...] procurando construir
suas características musical, cultural e social. Garantindo um elo de ligação
entre o presente e a modernidade.(TCC5)
(13) [...] mudança de valores
éticos, que reforçam a imagem do passado positivo e reconstituído por jornadas
que manteve contatos com os hábitos de outras regiões. (TCC5)
(14) [...] o qual transcende nos
espaços geográficos sul-mato-grossense. (TCC5)
Na regra geral de
concordância, o verbo concorda com seu sujeito, contudo, Bagno (2013, p. 74)
diz que “a concordância verbal é regida por processamentos cognitivos complexos
que dificilmente poderão ser elencados numa lista de regras”, assim, em (7) o
sujeito é “A justificativa deste trabalho”, como núcleo singular (“justificativa”),
seguido de sintagmas no plural (“materiais”, “utilizados”, “ultrapassados”),
sem esquecer da conjunção aditiva “e” com dupla ocorrência, o verbo “ser” ao
aparecer no singular presente do indicativo primeiro influencia a segunda
ocorrência, que no caso aparece novamente no mesmo tempo e modo verbal.
Ao construir um texto, um
autor tem em mente um objeto principal sobre o qual irá dissertar, esse objeto
é o que chamamos aqui de núcleo do sentido, e sobre ele recai a atenção a ponto
de o autor fazer a concordância com ele a todo momento, eventualmente deixando
a regra normativa de lado. O núcleo do sentido do segmento (8) recai sobre “o
aluno”, daí a concordância do verbo com o núcleo do sentido.
O caráter heterogêneo
que caracteriza a produção textual afeta textos de todo gênero, não estando
imune o texto científico de eventuais efeitos decorrentes da influência de
origem do autor, como classe social, por exemplo. Deste modo, percebemos que a
norma culta está sujeita à pressão dos falantes da língua. O falante pode ser advindo
de estrato social da base da pirâmide socioeconômica e que ascendeu socialmente,
bem como de imigrantes que se deslocaram do campo para a cidade. Assim, a
integração desses sujeitos na estrutura social daqueles que defendem a
demarcação linguística em relação às normas gramaticais do português europeu
causou o que vemos como uma democratização no acesso à norma culta. A inserção
nos estratos sociais de sujeitos advindos das classes media e baixa nos clãs
superiores reflete-se no exemplo dado por Lucchesi:
[...] a variação na
concordância de número (tanto verbal quanto nominal), que se teria originado no
processo de transmissão linguística irregular ocorrido na base da pirâmide das
sociedades colonial e do Império, e se teria difundido tornando-se hoje um
fenômeno que se verifica em todos os estratos da sociedade brasileira (2000, p.
99).
Assim, temos que se
estabelece o contato com a norma culta, que aponta na direção da variedade de
prestígio cuja orientação aponta na direção da identidade do sujeito. Bortoni
(1987) nos diz que o processo de ajustamento que opera no sujeito que se
desloca tende a estabelecer novas relações que possibilitam difusão dialetal.
Nesse sentido, a língua internalizada no sujeito sofreria uma desestabilização decorrente
da socialização em novo meio social e depois uma nova estabilização.
Não se vê assim um
corte abrupto entre a norma padrão e uma não padrão, o contato que os falantes
mantém entre si influencia o repertório de vocábulos disponíveis ao sujeito,
assim como as regras de uso na gramática interna de cada sujeito. Assim, as
características da variedade dialetal não padrão da língua vão se disseminando
por contato entre sujeitos em situação diaspórica ou em deslocamento entre os
estratos sociais. Ribeiro contribui para o desenvolvimento dessa linha
enfocando a história da escolarização no Brasil, especificamente o ensino
superior, que dá suporte à variedade culta da língua portuguesa.
[...] em 1991, de
um total de 34.734.715 chefes de família, menos de 6% tinham formação
universitária completa, sendo que aproximadamente 30% tinham entre zero e um
ano de escolarização; o maior índice de escolarização, aproximadamente 30% diz
respeito a uma média entre quatro e sete anos de estudo. Sendo de menos de 6% a
porcentagem de chefes de família candidatos ao domínio da norma culta, essa
porcentagem tão irrisória de algum modo se dilui na massa de brasileiros
não-falantes da norma culta. (RIBEIRO, 2002)
Observando os dados
apresentados por Ribeiro, deduz-se que alcançar o nível da norma culta pode
ser, para o aluno interiorano sul-mato-grossense, como atingir a plena
proficiência em uma língua estrangeira. Assim, como a questão se apresenta de
um modo bastante complexo, aceitar a pluralidade de normas pode ser um caminho,
ou seja, a não concordância nominal e verbal não deve servir como indicador de
norma padrão.
Não queremos dizer aqui
que o professor deva ser indulgente com os desvios que aparecem nas atividades
que envolvam linguagem, mas:
Um
professor não se pode eximir de corrigir uma soma aritmética errada. Não pode
também ignorar uma palavra com erro ortográfico. Não se preocupará, porém, em
fazer constantes intervenções na língua oral de seu aluno porque sabe que ali
ele dispõe de flexibilidade para ajustar seus recursos linguísticos à situação
de fala. Um professor poderá aceitar de seu aluno tanto “eu encontrei ele no
jardim”, quanto “eu o encontrei no jardim”, dependendo do contexto em que o
enunciado apareça. Mas não poderá jamais aceitar que o aluno escreva: “eu
encomtrei”(BORTONI-RICARDO, 2005).
A autora se refere
especificamente ao que chama de transgressões à ortografia, do mesmo modo,
devemos tomar cuidado em considerar transgressões à sintaxe como uma
deficiência do aluno que enseje críticas severas. O domínio das regras
sintáticas é lento e requer do professor atenção especial no que tange à
produção de textos e deve ser previsto em todos os anos do estágio escolar. O
desvio sintático é elucidativo porque quando ocorre na escrita do aluno permite
ao professor analisar a ocorrência e planejar atividades que tenham o objetivo
de atingir o que seria o ponto fraco na estrutura da gramática internalizada do
aluno.
O que os enunciados do
grupo B têm em comum é que, em um ponto de seu desdobrar, deixam transparecer
marcas típicas de oralidade do enunciador. A ocorrência de marcas de oralidade
na escrita na produção acadêmica, especialmente em trabalhos de conclusão de um
curso de nível superior de licenciatura em letras, demonstra que, em alguns
casos, o egresso não domina a linguagem padrão escrita, essencial para que o
acadêmico continue a produzir trabalhos, artigos ou provas ou outras atividades
que exigem o domínio do vernáculo castiço e escorreito.
Marcas de oralidade
como repetições, anáforas ou informalidades características da língua falada,
mostram que não há suficiente distinção entre a fala e a escrita, constituindo
o que seria, então, uma posição intermediária entre o texto oral e o texto
escrito, uma instância embora heterogênea, é quase uniforme onde fala e escrita
coexistem e não é possível divisá-las, ou o que Bagno (2013) chama de
existência de gêneros híbridos. Considerando o texto escrito como sendo
planejado quanto ao tema e o texto oral não ter o mesmo tempo disponível
podendo a temática ser mudada em momentos não planejados, vemos que a questão
do tempo pode ser a diferença entre a possibilidade de reelaboração de um
trecho do texto ou do texto todo e a necessidade de correções, repetições entre
outras marcas. De outro modo, com tempo de elaboração, o texto escrito deve ser
menos fragmentado, sem as reformulações características da oralidade.
Algumas questões
emergem da relação entre os textos falado e escrito. O texto escrito não tem um
destinador definido ou específico como na modalidade oral, esta ainda conta com
o emprego de dêiticos e outros recursos não verbais; o texto escrito não conta
com o mesmo contexto situacional entre enunciador e receptor, portanto deve o
sujeito-autor escolher adequadamente os léxicos que transporá para o papel e,
chamamos a atenção, predomina na escrita sentenças completas com períodos de
subordinação frequentes.
Conjunto B
(15) N[a] escrita, o sentido da
mensagem deve ser o mesmo aqui e acolá, outrora, hoje, amanhã e sempre.(TCC1)
(16) [...] mas a pessoa não está
“mexendo” nele, (o computador). (TCC1)
(17) Agora vem o ponto x da
questão, a posição do professor. (TCC2)
(18) O dizer popular “cada macaco
no seu galho” deixa explícito que cada objeto deve estar ligado a sua função;
então, os textos literários, são sem dúvida, um ótimo material de estudo para a
literatura, o que ocorre é que tais textos já não são compatíveis com o ensino
de gramática. (TCC2)
(19) O professor por sua vez se
viu numa situação delicada foi um atropelamento que o obrigou a fazer cursos
rápidos sem muitos embasamentos teóricos, [...]. (TCC2)
(20) É absurdo ver como se deixa
escapar as oportunidades de mudanças que são visíveis, mas por algum motivo não
veio a ser trabalhado. (TCC2)
(21) No sétimo e último dia,
havia procissões em agradecimento aos deuses, mais sacrifícios de animais, mais
banquetes e muita, muita festa. (TCC8)
(22) [...] as escolas se
organizam visando o resultado satisfatório do que elas se propõe. (TCC4)
As marcas de oralidade
aparecem como tendo uma intencionalidade de serem propositadamente orais. Essa
afirmação parte, primeiramente, da confirmação de ocorrências de palavras que
normalmente não apareceriam em textos científicos. Em (15) o advérbio de lugar
“acolá” é uma palavra comumente usada em situação de informalidade em enunciado
oral e significa que o autor aponta para um lugar distante de si e da pessoa
com quem fala.
Expressões pleonásticas
fazem parte da fraseologia popular e em textos escritos constituem parte das
marcas de oralidade que um autor permite que apareçam. Embora na área da
mecânica industrial haja uma peça com o nome é a própria expressão pleonástica “elo
de ligação”, não é o caso do que está referido em (12). Podemos notar que em
alguns casos, e acreditamos que esse seja um deles, a redundância, também
chamada de pleonasmo, é “um dizer em acordo com uma intenção de dizer”
(ALTHIER-REVUZ, 1998, p. 55), ou seja, a redundância funcionaria como uma glosa
de caráter intencional, um movimento de confirmação e ênfase no que se diz que é
o querer acabar com uma dúvida fictícia do destinatário antes mesmo que a
própria dúvida se estabeleça.
É comum o uso de aspas
quando o enunciador deseja tornar explícito que há alguma ressalva no
enunciado. A ressalva pode ser de diversas ordens, como a indicação de se
tratar apenas de mencionar determinado termo ou ainda quando se trata de uma
ironia, procurando, então, significar o oposto do que pretende o enunciador. No
jogo de identificação do sentido, a expressão entre aspas é, para Maingueneau (1997,
p. 89), usada ao mesmo tempo em que é mencionada, e depende da conotação que o
enunciador quer dar ao termo entre aspas.
Conjunto C
(23) [...] a linguagem dos chats apresenta algumas características
que a incluem no “gênero” oral [...]. (TCC1)
(24) [...] visando apreender-lhes
as “marcas” essenciais [...] (TCC1)
(25) [...] os recursos
linguísticos de se falar “escrevendo”, [...]. (TCC1)
(26) [...] tendo em vista que o
uso da comunicação escrita na escola não “aceita” que um aluno produza um texto
escrito [com] códigos [dos] webchats.
(TCC1)
(27) [...] permite uma “conversa”
informal entre um grupo de pessoas [...]. (TCC1)
(28) [...] outra pessoa recebe a
mensagem “do outro lado”, podendo ler e [...] dando assim, continuidade ao
“bate-papo”. (TCC1)
(29) [...] em seguida “entrar” em
uma sala [de bate-papo]. (TCC1)
(30) O ICQ [compõe] uma “lista”
das pessoas conhecidas. (TCC1)
(32) Como se sabe, na internet o tempo é
precioso e jamais se pode perdê-lo escrevendo “prolongadamente” como na escrita
convencional.(TCC1)
(33) Netsplit (quando o servidor
“cai”, derrubando um grande número de usuários. (TCC1)
(34) [...] dessa forma, sejam percebidos
e alguém queira “teclar com eles”. (TCC1)
(35) [...] envolvendo a maneira
de “escrever” via chat, os recursos
paralinguísticos de se falar “escrevendo” [...].(TCC1)
(36) Nos bate-papos da internet,
o indivíduo nunca perde tempo com a “elaboração” que a escrita requer. (TCC1)
(37) [palavras de baixo calão]
são usadas e até “aceitas” com “naturalidade”, [...] em que tais expressões nem
foram sequer “contestadas” pelos interlocutores. (TCC1)
(38) [...] demonstrando que o
processo do planejamento é um “organismo vivo” flexível, adaptável [...] TCC4)
(39) [...] regulada pelo governo,
que nos “prende” em um mundo à parte. (TCC6)
(40) [...] vê seu pai abandonar a
corrente da vida dita “normal”, para isolar-se [...]. (TCC6)
(41) O silenciamento é outro
fator que implica em uma “anulação” de um processo vivenciado [...]. O
silenciamento é uma palavra derivada de “silenciar”, o ato de impedir a fala de
uma pessoa. [...] imposta por um apagamento intelectual de forma repressiva
(ainda que não “voluntária”) (TCC6)
Em (24), (26), (27),
(29), (32), (36), (40), podemos perceber que a palavra entre aspas acumula duas
funções, uma função é a de ser mostrada, mencionada, a segunda função é a de
dar sequência ao enunciado, estando, portanto, integrada ao texto assegurando
coerência e sequenciamento lógico ao enunciado. Os termos aspeados também se
referem a outros contextos, denunciando um efeito polifônico no sentido
atribuídos a outro espaço enunciativo e cuja responsabilidade pela
ressignificação de sentido o enunciador não deseja assumir. As aspas questionam
o caráter apropriado do termo, demarcam uma formação discursiva porque
estabelece um limite entre um significado inter e outro externo ao enunciado,
assim, colocar um termo entre aspas tem a intenção de manter o sentido do termo
fora do espaço enunciativo. As aspas isentam o enunciador de se comprometer com
o sentido lato do termo, mas o enunciador o usa por falta de um termo que
signifique o que realmente quer dizer.
Em (41) o enunciador
explica indiretamente a presença das aspas em “anulação”, colocando o termo
para designar o sentido de “impedir a fala de uma pessoa”. O enunciador
especifica o sentido que deve ser admitido, fixa o sentido pelo qual deve ser
entendido, é um desdobrar reflexivo do dizer, “através de uma explicitação
univocizante do sentido dessa unidade do dizer, constitui, em si, uma ruptura
da evidência do UM das palavras e de seu sentido no dizer” (AUTHIER-REVUZ,
1998, p. 31).
As palavras usadas na
área de informática, que envolve equipamentos e internet, por exemplo, por se
tratarem do que podemos chamar de um mundo a parte, busca termos no real para
significar no virtual, onde os termos podem adquirir novo sentido. A realidade
virtual é uma nova realidade, dinâmica, com mudanças muito frequentes, assim,
os termos adquirem novo sentido com a mesma velocidade. As metáforas são muito
frequentes na informática exatamente porque se aplicam na construção da
realidade virtual, como uma realidade paralela ao mundo físico, são realidades
separadas mas que exercem forte influência uma à outra. A internet possibilita
ao usuário descobrir lugares, programações, eventos e participar deles em tempo
real ou assíncrono. A própria ação de acessar a internet já possui um termo
metafórico bastante conhecido, navegar e navegação são termos que designam o
ato de acessar diversos “sítios” (este também um termo metafórico pois designa
uma página, um espaço virtual particular). A ideia principal em torno dos termos
que formam todo um jargão é significar as ações como visitar várias páginas,
trafegar atrás de informações, ligar um computador ou acusar uma pane. Assim,
são as derivações de sentido em relação aos termos usados na área de
informática. 29, 30 33
Considerações
finais
A análise do corpus aponta para a não correspondência
entre a norma padrão e a intuição linguística dos falantes. Vimos que a escola
e a faculdade não foram suficientes se a intenção maior foi fazer com que o
aluno e, depois de formado, professor usasse a norma padrão sem deslizes. Os
deslizes ocorreram parcialmente no texto em alguns casos em maior número, o que
pode indicar uma falta de prática na construção de textos científicos. Assim,
não praticando, por exemplo, a descrição de eventos e fenômenos observados,
quando se vê na necessidade de fazê-lo, o aluno encontra grande dificuldade.
Com elação à formação
de professores, percebemos que as não-concordâncias continuarão a serem
passadas para as próximas gerações de alunos, decorrente da insuficiência do
período escolar e do ensino superior não conseguirem sanar possíveis
deficiências no lidar com a norma padrão na construção de textos escritos.
THE (UN)CONCORDANCES OF PLURAL: DIFFICULTIES WITH
TEXTS WRITTEN IN UPPER SCHOOL STUDENTS.
ABSTRACT: The research develops an investigation into
difficulties with the syntax of agreement in plural seen into works of course
completion (TCC) of a course of English/Portuguese language. The survey was
conducted on a sample of completion of course work at a university campus
located in hinterland of the state of Mato Grosso do Sul, which serves students
mainly from the public schools. Occurrences of-noun disagreements appear in the
texts because it is believed that the author was not able to separate what would
be oral text production of writing, the differences in verbal and nominal
concordances would be the mark of orality that are part of the context of
interaction where you have the speaker and the listener in the same contextual
circumstances. The results allowed to propose the hypothesis that the years of
study in higher education are not sufficient to bring the student to fully
adhere to the cultural norms of the language and that when they come to play
the role of teachers of Portuguese reproduce these linguistic features with
their students . We observed the presence of orality brands that permeate these
texts and that academics have difficulty in making the agreement number when
sentences are long causing them to lose the main reference when constructing
complex sentences, which commonly appear in texts of character scientific.
KEYWORDS: higher education, linguistic deviation,
teacher training.
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