O CINEMA COMO LOCUS
IDEOLÓGICO E CULTURAL
Alexandre Luís Gonzaga[1]
Resumo: o cinema é um
veículo por excelência de costumes, culturas e ideologias. Buscou-se aqui expor
os pressupostos básicos da ideologia e da cultura que são explorados pela
indústria cinematográfica. Para isso trouxemos para discussão alguns exemplos
de filmes que tratam de cultura em contato e em atrito. Baseamo-nos
principalmente em A. Bosi e Durkheim para discutir ideologia, C. Lévi-Strauss e
Della Torre para discutir cultura e Morgan para discutir metáforas.
Palavras-Chave: ideologia, atrito
cultural, cinema
O
cinema mundial, e em sua maioria o norte americano, retrata a cultura de
diversas maneiras, nas mais diversas situações. Por isso, a proposta aqui é
analisar brevemente algumas cenas em que apresentam situações de contato entre
povos onde o componente ideológico-cultural é a tônica.
Assim,
a proposta aqui é procurar entender a relação que existe entre ideologia e
cultura e como estes componentes são representados quando em situação de
contato intercultural.
Preliminarmente
quer-se deixar claro que procuramos nos afastar do sentido comum dado ao termo
“ideologia”, sentido esse que faz parte do sensu comum e cotidiano, ou seja, o
termo que define uma convicção política de esquerda ou direita, ou ainda
oposição ou situação num dado governo estabelecido.
Ideologia
Há
uma necessidade de rever a concepção do termo no intuito de superar o sentido
de equivalência à ideia e opinião, e ainda transcenda a reflexão marxista sobre
o termo. Lembremo-nos aqui que o pensamento marxista concebe ideologia como um
modo de dominação de uma classe social sobre outra. O pensamento marxista
também reflete a legitimação da relação existente entre o Estado e o povo que é
por este governado. Sendo que a ideologia disfarça a razão final que explica a
divisão de classes e as relações de dominação. No entanto, a ideologia não só
explica as relações de dominação como ainda é em si o próprio instrumento de
proporciona a existência da dominação e que ajusta o pensamento da burguesia ao
da aristocracia, nesse caso específico visamos à sociedade brasileira, como bem
o disse Alfredo Bosi[2].
A
ideologia ainda pode ser examinada sob o ponto de vista do poder, ou de modo
mais claro, a ideologia como um discurso de poder. Assim, a ideologia orienta a
produção de discursos que os atores sociais envolvidos na disputa pelo poder
produzem. Esse princípio é trabalhado crítica e detalhadamente por Michel
Foucault quando trata das relações assimétricas de sujeição e dominação, e por
Pierre Bordieu ao examinar-se a constituição do poder como símbolo da
dominação, ou seja, o “poder simbólico”.
A
ideologia como fenômeno que se manifesta em qualquer sociedade assegura a
coesão social e acaba por trabalhar no sentido de regular as relações entre os
indivíduos. Durkheim (1993) nos diz que a ideologia funciona como um “cimento
social” que age em diversas direções, tais como levar o indivíduo a aceitar seu
papel social sem oferecer grande resistência, indicando condutas a seguir e que
são em si a mola mestra do funcionamento da ordem social. Ainda nesse sentido,
explora-se aqui a concepção de ideologia sob um aspecto formativo do sujeito
humano, mas não relacionando com a formação da personalidade do indivíduo.
Mesmo porque na discussão a qual nos propomos, a ideologia é facilmente
observada em âmbito social, sendo individualmente não ser tão clara.
Posto
então que se observará uma relação de dualidade nos indivíduos do tipo
interpelação-reconhecimento, consequência da formação ideológica, seja ela
opressiva ou emancipatória.
A
ideologia, vista a partir do marxismo, é concebida como resultado de uma
sociedade estruturada em classes, não tendo sua origem na sociedade
capitalista, mas nela se constituindo em forma mais elaborada. Na concepção
marxista, a ideologia surge após a divisão do trabalho, entre o intelectual e o
material.
Assim,
o termo ‘ideologia’ designa um conjunto mais ou menos social de ideias e
valores. De acordo com Dumont (1992, p. 51) pode-se falar da ideologia de uma
sociedade e também da ideologia de um grupo ou grupos mais restritos. Pode
também observar a ideologia numa classe social ou num movimento. Ainda segundo
Dumont, é evidente a existência de uma ideologia fundamental,
ideologia-original ligada à linguagem comum e, nesse sentido, ligada ao grupo
linguístico ou até à sociedade global. Classes sociais inseridas numa mesma
sociedade se expressam numa mesma língua, mas estão mergulhados cada qual numa
ideologia diferente. Proletários e capitalistas falam a mesma língua no Brasil,
se assim não o fosse, não teriam como expressar oposição entre suas ideias.
Tendo
em vista este conceito de ideologia chamamos a atenção ao fato de que o cinema
constrói estereótipos para representarem as posições e oposições ideológicas
por meio de estranhamentos culturais. Assim, passamos agora a examinar alguns
pressupostos sobre cultura.
Cultura
Weber
(1997, p. 17) diz que:
[...] é possível dizer-se que no
domínio da ‘cultura’ tudo é ‘adaptado’ ou nada é ‘adaptado’. Pois é impossível
eliminar a luta de qualquer vida
cultural. Podem-se modificar os seus portadores, mas ela própria não pode ser
suprimida. [...] A luta encontra-se em toda parte e por vezes afirma-se tanto
mais quanto menos é percebida ou quando adota no seu transcurso a forma de uma
omissão cômoda ou de uma complacência ilusória ou enfim quando se exerce sob a
capa da ‘seleção’. A paz significa apenas um deslocamento das formas, dos
adversários ou do objeto da luta, ou finalmente das chances de seleção.
Nesse
mesmo sentido, mas de maneira diferente, para Lévi-Strauss (1952 [s.d.]) o
contato intercultural resulta em progresso para ambas as culturas (ou
civilizações). Assim, a diversidade nas culturas não deve ser vista de maneira
estática, ou seja, os homens elaboram culturas diferentes em virtude da
distância geográfica e outros fatores como o nível de conhecimento em que
estavam em relação a outras sociedades. Deste modo, Lévi-Strauss concebe a
ideia de que as diversas sociedades não ficaram totalmente isoladas umas das
outras, mas em maior ou menor grau de contato em relação à linha do tempo. Assim,
o filósofo argui sobre pressupostos a que atribui serem falsos ou verdadeiros
sobre o evolucionismo cultural. E para tal exemplifica com interpretações
populares sobre o valor utilitário das pinturas rupestres pré-históricas. Do
mesmo modo, ao descrever brevemente o estado de civilizações pré-colombianas em
relação à europeia, ilustra que a desigualdade se deu principalmente pela falta
de contato entre as culturas.
O
que se pode perceber é que Lévi-Strauss desenvolve seu postulado sem
considerar, num primeiro momento, as implicações ideológicas das culturas
quando em contato. O que Weber fez, como pode ser observado no excerto que
abriu esta sessão, é considerar que as culturas em contato se adaptam em maior
ou menos grau, mas que há sempre uma guerra em andamento, deslocando-se de
alguma forma quando se observa uma paz aparente. Não se pode ignorar que num
embate, seja ele de que natureza for, há sempre um forte componente ideológico
no sentido que de que há disputa por poder, e a materialização desta disputa é
a variável, a constante desta equação é o discurso pelo poder.
Kluckholn
(apud Geertz, 2008) define cultura
através de diversas frases:
O modelo de vida global de um
povo;
O legado social que o indivíduo
adquire do grupo;
Uma forma de pensar, sentir e
acreditar;
Uma abstração do comportamento;
Uma teoria elaborada pelo
antropólogo, sobre a forma qual um grupo de pessoas se comporta realmente.
Um celeiro de aprendizagem em
comum;
Um conjunto de orientações
padronizadas para os problemas recorrentes;
Comportamento aprendido;
Um conjunto de técnicas para se
ajustar tanto ao ambiente externo como aos outros homens;
Ao
mesmo tempo em que se percebe que as definições acertam o alvo, ainda sim são
insuficientes, daí que Geertz partilhando da opinião de Weber diz que:
[...] o homem é um animal
amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumindo a cultura como
sendo tais teias sua análise diz então que a cultura pode ser vista não como
ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa à
procura de um significado.
Ora,
nesse sentido percebe-se um discurso definidor de cultura sobre si mesma, ou
seja, os cientistas sociais e antropólogos produzem um discurso cultural sobre
a cultura, um metadiscurso percebido como construção social, humana, particular
e histórica, e ao mesmo tempo “percebida como natural, divino, universal e
eterno” (SOUSA FILHO, [s.d.], p. 3)
A
diferenciação de Della Torre entre dois tipos diametralmente opostos de
culturas colabora grandemente no entendimento. Assim há aquela que se desenrola
dentro de um grupo social cujos habitantes estão em situação de isolamento
(cultura folk, aldeia tribal) e cultura civilizada (cidade grande, metrópoles).
As características de um modelo e outro destacamos a seguir:
Quadro
1: comparativo entre cultura folk e
civilizada
1 povos rurais,
isolados, provincianos, relativamente fixos, pré-letrados, com sociedade
simples, homogênea, “sagrada”, baseada em relações de parentesco |
1 povos
urbanizados em contato com todo o mundo; cosmopolitas, móveis, letrados, com
sociedade complexa, heterogênea, “secular”, baseada na conveniência, troca
impessoal e contrato. |
2 onde os
contatos predominantes são primários; os indivíduos têm status
predeterminado; encontram-se quase todas as situações de suas vidas;
compartilham quase todas as experiências particulares; os costumes são
uniformes e cristalizados; os hábitos dos indivíduos são transmitidos apenas
oralmente, de geração a geração. |
2 onde os
contatos predominantes são secundários; os indivíduos encontram-se somente em
uma ou poucas situações de sua vida, não compartilham as experiências
particulares; os costumes estão em fluxo; não mais controlam os hábitos dos
indivíduos como antigamente, devido à complexidade das relações, alterações
fáceis de um status e papel para outro; |
3 onde há o
máximo de estabilidade social; mínimo de mudança social; mínimo de
desorganização social; máximo de acomodação pessoal; mínimo de alteração nos
hábitos dos indivíduos; mínimo de desorganização pessoal. |
3 onde há mudança
social; alterações nos hábitos do indivíduo; desorganização social; problemas
sociais. |
4 condição
principal: isolamento |
4 condição
principal: contato |
5 outrora, campo
principal de estudo do etnólogo. Exemplo a aldeia tribal. |
4 outrora, campo
principal de estudo do sociólogo. Exemplo a metrópole moderna. |
Fonte:
adaptado de Della Torre, 1984.
A
diferenciação acima nos ajuda a perceber que há, naturalmente, posições
intermediárias que Redfield (apud DELLA TORRE, 1984, p. 56) denomina de
‘modificações progressivas’, partindo da cultura folk ou isolada em direção à cultura denominada civilizada.
Dentro
dessa perspectiva (aquela exposta por Della Torre), o grupo social que vai aos
poucos tendo mais e mais contato com outros grupos, acaba por fazê-lo de dois
modos, a saber, a cooperação e a competição. Quando há interesses comuns
envolvidos e que beneficiam de algum modo ambos os lados, o que se observará
mais facilmente será um ambiente cooperativo. Contudo, se algum dos lados,
através de seus representantes, não ficar satisfeito com o modo de como se dá a
cooperação, ou ainda, com os resultados que dela advém, o que se observará
então será um ambiente competitivo.
A
competição em si significa lutar pela sobrevivência, o que acontece com todos
os seres vivos. Essa luta pode se dar em diversos níveis, as plantas competem
pela luz do sol, aquelas que conseguem sobrepujar-se às outras terão maior
chance de sobrevivência. O mesmo acontece no reino animal e com o homem, como
ser que ocupa o topo da cadeia alimentar, não poderia ser diferente. Essa luta,
quando falamos de seres humanos, não se limita ao aspecto fisiológico, mas
estende-se ao âmbito social também.
Ao
nos limitar ao âmbito social, fulcro desse ensaio, veremos que a luta
transcenderá o caráter consciente, chegando ao nível inconsciente. A luta pode
ser impessoal[3]
também, visto que se pode desconhecer a causa, mas sofrerem-se seus efeitos, e
assim, para minimizá-los ou escapar-lhe aos efeitos é que se vai lutar. Em
sentido inverso, pode-se competir pela satisfação de desejos além daqueles que
estão na base e nas posições intermediárias da pirâmide das necessidades de
Maslow[4],
como competir por luxo, fama e riqueza.
A
competição instaurada no âmbito dos contatos sociais concorreu para a
reordenação social, produziu fenômenos que reverberaram consequências que ecoam
do modo indelével e sem volta. Uma dessas consequências foi a divisão do
trabalho. Della Torre nos diz que
Cada indivíduo procura no
trabalho a ocupação que julga, para si, melhor ou mais realizável dentro das
possibilidades sociais. Mas como os homens exercem apenas poucas ocupações ou
uma só ocupação especializada, competindo cooperam e produzem a divisão do
trabalho. (op. cit., p. 76)
Indo
além do conceito de divisão do trabalho, temos que a distribuição da população
no mundo também se alterou quanto maior foi o contato entre os diversos povos.
Dentro de um mesmo país pode-se observar cidades e regiões densamente povoadas
em detrimento de outras regiões e cidades. Na busca por um melhor lugar para
sobreviver o homem busca regiões onde há maior possibilidade para isso, por
exemplo, regiões com maior oferta de alimento e emprego. Assim, tem-se a luta a
que nos referimos anteriormente se desenrolando de modo diferente à luta
contínua e sem controle (a luta pela manutenção da existência), mas uma luta
que está sujeita às regras de uma economia ordenada, às leis e restrições
sociais.
Assim
chegamos aos fundamentos dos conflitos sociais, que é em si também uma luta,
com pequenas, mas significativas diferenças.
O
conflito social de acordo com Della Torre (1984, p. 81) é consciente, pessoal,
intermitente, emocional, implicando violência ou ameaça dela. Os adversários
são conscientes de suas divergências, pode-se observar a rivalidade, antipatia,
ódio e críticas com tom emotivo.
Aquela
autora lista oito tipos diferentes de conflitos, sendo eles: conflito de
gerações, dos sexos, de raças, entre campo e cidade, de classes, econômicos,
religiosos e internacionais. O que estamos a tentar fazer é por meio de
metáforas expressar o que ocorre em algumas culturas, em alguns locais da
cultura. Nesse sentido, escolheu-se como veículo de metáforas o cinema.
Vemos
como inevitável utilizar metáforas como acessório à compreensão de fenômenos
culturais a que nos propomos a examinar. As metáforas são usadas como artifício
de linguagem e também como uma forma de ver e pensar que determina como
compreender os fenômenos. Sabedores de que as metáforas criam somente uma forma
parcial de percepção, tal como imagens observadas de único anglo, mesmo assim
proporcionam uma perspectiva que podem funcionar como starter encorajando outros a buscarem novos aspectos.
As
metáforas estão dotadas com as forças e limitações do ambiente social, mas são
refletidas nas forças e limitações da sociedade na prática.
Da
química, podemos extrair um exemplo de contato social que seria quando
adiciona-se água em um meio ácido de alta concentração, veremos que ocorrerá
uma reação violenta e exotérmica, acompanhada de explosão. Hoje, em algumas
sociedades de religião fundamentalista, a presença de pessoas ou pequenos
grupos de pessoas ‘xenas’ (estrangeiras) é repelida com veemência. Mas o
inverso não se dá do mesmo modo, quando se adiciona ácido concentrado em meio
aquoso, a reação é pouco percebida, há ligeira liberação de calor que pouco ou
nada pode ser percebida. A diluição é tranquila. Quando um indivíduo ou
pequenos grupos oriundos de ideologias fundamentalistas entram em contato com
uma sociedade inteira não fundamentalista, poucos aparecem, quase passam
despercebidos em meio à multidão.
A
metáfora da diluição química busca ilustrar que um determinado contato
intercultural pode resultar em diferentes reações. Especificamente, quando um
grupo fundamentalista islâmico procura se concentrar em países ocidentais suas ações
causam pouca visibilidade, precisam recorrer à ações violentas para serem
notados. Entretanto, o inverso também é inverso nos resultados. Quando os
soldados americanos desembarcaram no Afeganistão poucos anos atrás, iniciou-se
uma reação de rejeição à presença deles, resultando em mortes quase diárias
decorrentes do conflito.
A
cultura em si já é uma metáfora, o termo que a designa deriva da ideia de
cultivo, do processo de lavrar e de desenvolver a terra. Quando se fala em
cultura, comumente se está fazendo referência ao padrão de desenvolvimento
refletido no conhecimento acumulado, na ideologia, valores, leis e rituais
diários e quotidianos.
Morgan
diz que a palavra ‘cultura’ é também habitualmente usada para fazer referência
ao grau de refinamento evidente nos sistemas de crenças e práticas. Quando se fala sobre sociedade,
enquanto cultura, está sendo usada a velha metáfora da agricultura para chamar
a atenção sobre aspectos muito específicos do desenvolvimento social. (1996, p. 116).
Introduz-se
assim a ideia de prática cultural, o conceito de dinamismo na cultura, o
movimento contínuo, e como tal suscetível a mudanças grandes ou pequenas. Assim
como a metáfora da agricultura, que como tal é sabido não se pode repetir ano a
ano o mesmo cultivo sob pena de esgotar-se a terra,
Cinema
Aqui
trataremos brevemente de diferentes tipos de conflito com exemplificações
cinematográficas.
Cena do filme “Inimigo meu”
Dois
pilotos de mundos diferentes e em guerra têm suas naves atingidas e ambos caem
num planeta desabitado. O clima hostil e a situação de falta de alimento e
abrigo obrigam os então inimigos a colaborarem como questão de sobrevivência
mútua.
Aos
poucos a barreira da língua é transposta através do aprendizado simultâneo do
idioma de um pelo outro.
A
mesma metáfora aparece em um filme norte americano anterior, de (XXXX) e se
passa na II Guerra. Esta metáfora é mais direta porque mostra um oficial da
marinha americana e um oficial da marinha japonesa sós numa ilha.
O
filme “Dança com lobos” ilustra o que podemos chamar de transculturalidade, o
período retratado é o século XIX durante a conquista do oeste americano. Um
soldado é instalado num posto avançado de vigia, solitário. Aos poucos entra em
contato com os nativos. A barreira inicial da língua é superada com a presença
de uma mulher mestiça que fala a língua do colonizador branco e do nativo
indígena.
Em
função da própria situação de minoria, o soldado aos poucos, se relaciona com o
povo indígena e passa a conhecer um pouco da cultura, entre rituais e costumes,
daquele povo nativo com o qual se relaciona. Com o convívio e a proximidade sua
identidade vai se deslocando lenta e gradualmente, mas de modo indelével.
Quando o exército americano manda um grupo de soldados até o posto, o soldado
que lá estava, mais vivia na ladeia com os nativos do que no posto de guarda. A
transito cultural fica evidente, o soldado usa ornamentos indígenas com o
uniforme, fala a língua indígena e já não é mais reconhecido como soldado fiel
à pátria, mas como desertor. O discurso do contato com tolerância é a tônica da
história.
Cena do filme “Dança com Lobos”.
No
filme “O novo mundo” os primeiros contatos entre os indígenas norte americanos
e o colonizador europeu é mostrado retratando um episódio da história americana
que é a mistura de raças, e a aceitação difícil deste fato de ambos os lados.
John
Smith e Pocahontas, inglês e índia, personagens históricos retratam o contato
entre os dois povos. As culturas em atrito após o estranhamento do primeiro
contato, as diferenças de interesses com a terra.
Esse contato remete também ao contato do
europeu com a nativa (azteca?) cuja união resultou no termo “hijos de la
chingada”. Símbolo do domínio europeu sobre o indígena do novo mundo.
Cena
do filme O Novo Mundo
Ao
trazermos o conteúdo de alguns filmes para discutir e buscar entender melhor as
relações sociais em situação de contato entre culturas ou interculturais,
precisamos ter em mente que algumas práticas veiculadas através dos filmes,
vistos agora como meio de comunicação em massa, capazes de transmitir uma
mensagem sem fazê-lo de modo explícito, podem criar representações simbólicas
que desviam do real o fato narrado. A interação cultural, retratada nas
películas apresentadas, traz formas simbólicas que, segundo Thompson (1995)
possuem algumas características básicas. Elas são intencionais, ou seja, são a
expressão de um sujeito para o outro; são convencionais no sentido de que são
processos que envolvem regras, códigos o convenções. São estruturais, ou seja,
trazem uma estrutura articulada que leva à necessidade de análise estrutural em
suas inter-relações. Há também a característica do aspecto referencial, visto
que as construções representam ou referem-se a algo sobre alguma outra coisa. E
a última característica de Thompson está no aspecto contextual, pois de acordo
com o autor, as formas simbólicas são sempre inseridas em processos e contextos
sociais e históricos onde e por meio deles são produzidas. Assim, reitera-se a
necessidade de assistir às películas sempre com olhar crítico, uma vez que as
interações culturais retratadas criam ou reforçam as relações de dominação de
um grupo sobre o outro ou preconizam sua exclusão.
Neste
jogo de simbolismos e múltiplas linguagens não se pode perder de vista que
mesmo quando baseado em fatos reais, um filme traz a representação de um fato
visto a partir do olhar de seu diretor. Essas representações podem ser do
impossível verossímil, caso do filme “inimigo meu”, possível e verossímil e
possível inverossímil. Raramente se observa o impossível e inverossímil
materializado cinematograficamente.
A
noção de verdade é mais bem analisada sob o ângulo oposto, da mentira. Esta
consiste intencionalmente em transmitir a alguém uma visão da realidade que
seja diferente daquela que achamos verdadeira. Assim a mentira se define em
relação à verdade. Contudo pode-se questionar em que medida a verdade é
acessível pois que só com a medida da verdade teremos a medida da mentira. Esse
questionamento levantado agora baseia-se no livro de Duradin (1997) que trata
das mentiras na propaganda e na publicidade. A propaganda e a publicidade têm
por objetivo modificar a conduta das pessoas por meio da persuasão, ou seja,
sem parecer obriga-las a fazer o que desejam que se faça, usam de manipulação
de informação desde divulgação parcial até a divulgação de informação falsa com
objetivo de modificar o julgamento e a conduta de seus interlocutores. Trazemos
a baila esta discussão de modo breve porque o produto cinematográfico é
atualmente um dos principais veículos de informação e muito utilizado por
aqueles que atuam com propaganda e publicidade.
A
preguiça como cultura
Macunaíma
é o título de um livro de Mario de Andrade, adaptado para o cinema em 1969. Jose
Miguel Wisnick define o comportamento preguiçoso de Macunaíma como tendo “uma preguiça primordial, que é aquela que ocorre antes
mesmo do esforço. Uma preguiça de quem nem sequer trabalhou." (WISNICK,
2011).
Cena
de Macunaíma
Assim,
Mario de Andrade tornou explícito um traço de comportamento cultural do rural e
sertanejo brasileiro. Este estereótipo de comportamento se reproduz no discurso
histórico em diversos momentos.
Na
década de 1930, especificamente em 1934 uma empresa farmacêutica associou a
figura criada por Monteiro Lobato, o Jéca-tatú, a uma doença comum na época
para justificar seu comportamento preguiçoso. Foi uma campanha de marketing bem
sucedida promovendo um remédio que prometia curar aquele mal.
Com
a finalidade clara e evidente de produzir efeito de humor, se estabeleceu um
discurso sobre o que seria a proverbial preguiça do povo. Diversos contos e
piadas aparecem ao longo da história para ilustrar esse estereótipo.
Considerações
finais
Através
de mitos construídos pela indústria cinematográfica é possível observar-se a
materialização de diversos tipos de conflitos culturais.
Vimos
que a ideologia é um dos elementos que mais fortemente determinam o
comportamento cultural de um povo. E procurou-se explorar o conceito de cultura
para expor os mais diversos fatores que podem e são explorados pela indústria
cinematográfica.
A
indústria cinematográfica é também um veículo de informações, de propaganda e
de publicidade, que de uma forma ou de outra procuram modificar o comportamento
de seu interlocutor. Entre o possível e o verossímil a indústria cinematográfica
explora diversas possibilidades com o intuito também de alterar ou fortalecer
um determinado modelo ideológico através da produção de estereótipos culturais
comumente encontrados nas diversas sociedades.
Viu-se
que há uma ideologia que pode ser vista como ideologia-mãe, é que esta liga-se
estreitamente à língua de um povo, contudo em tempos de globalização, o que era
uma barreira, a língua, contemporaneamente é facilmente transposta com o uso de
dispositivos de tradução.
A
discussão é vasta quando tratamos da mídia cinematográfica, visto que nem en passant mencionamos como a semiótica
atua linguagem de modo a colaborar na disseminação de informações e conceitos
sociais.
Dito
isso, esperamos suscitar maiores discussões sobre cinema, ideologia e cultura.
REFERÊNCIAS
BOSI, A. Dialética da colonização. São Paulo: Cia
das Letras, 1992.
COHN, G. [org], FERNANDES, F. [coord.]. Max
Weber. 6. Ed. São Paulo: Ática, 1997.
DELLA TORRE, M.B.L. O homem e a sociedade:
uma introdução à sociologia. 12. ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1984.
DURADIN, G. As mentiras na propaganda e na
publicidade. Trad. Antonio C. B. Mattos. São Paulo: JSN Edit, 1997.
MENEZES, A. Mito ou identidade cultural da
preguiça. Cienc. Cult. vol.57 no.3 São Paulo: July/Sept. 2005.
Disponível em http://cienciaecultura.bvs.br/ scielo.php?pid=S0009-67252005000300005&script=sci_arttext.
Acessado em 17.dez.2012.
MORGAN, G. Imagens da organização. Trad.
Cecilia W. Bergamini, Roberto Coda. São Paulo: Atlas, 1996
LÉVI-STRAUSS. C. Raça e cultura. In Raça e
história. Disponível em http://labphysis.fef.ufg.br/uploads/230/original_L%C3%A9vi-Strauss__Claude_-_Ra%C3%A7a_e_Hist%C3%B3ria.pdf?1334156726
RODRIGUES,
J. A.[org.], FERNANDES, F.[coord.]. Durkheim.
6. ed. São Paulo: Ática, 1993.
THOMPSON,
J. B. Ideologia e cultura moderna: teoria
social crítica na era dos meios de comunicação de massa.
Disponível em
WISNICK,
J.M.. Ócio,
Labor e Obra. Palestra. Sesc Vila Mariana.
São Paulo. 01/09/2011. Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/969163-macunaima-tem-uma-preguica-primordial-diz-jose-miguel-wisnik.shtml.
Filmes:
Titulo:
Inimigo meu (Enemy mine)
Diretor: Wolfgang Petersen
Elenco: Dennis Quaid, Louis Gosset Jr., Brion James, Richard Marcus,
Carolyn McCormick.
Produção: Stephen J. Friedman
Roteiro: Barry Longyear, Edward Khmara
Fotografia: Tony Imi
Trilha Sonora: Maurice Jarre
Duração: 108 min.
Ano: 1985
País: USA
Gênero: Ficção Científica
Cor: Colorido
Título: Macunaíma
País de Origem: Brasil
Gênero: Comédia
Tempo de Duração: 110 min
Ano de Lançamento: 1969
Estúdio/Distrib.: Condor Filmes
Direção: Joaquim Pedro de Andrade
Elenco: Grande Otelo (Macunaíma); Paulo José
(Macunaíma branco/Mãe de Macunaíma); Dina Sfat (Ci); Milton Gonçalves (Jiguê);
Jardel Filho (Venceslau Pietro Pietra); Rodolfo Arena (Maanape); Joana Fomm
(Sofara); Maria Lúcia Dahl (Iara); Hugo Carvana (homem com o pato); Maria do
Rosário (Iquiri); Wilza Carla (mulher gorda); Myriam Muniz (mulher de
Vaneslau).
Título: Dança com
Lobos (Dances With Wolves)
Diretor: Kevin Costner
Elenco: Kevin Costner, Mary McDonnell, Graham Greene, Rodney A. Grant,
Tantoo Cardinal, Rodney A. Grant, Floyd 'Red Crow', Robert Pastorelli, Charles
Rocket, Maury Chaykin.
Produção: Kevin Costner, Jim Wilson
Roteiro: Michael Blake
Fotografia: Dean Semler
Trilha Sonora: John Barry
Duração: 180 min.
Ano: 1990
País: EUA
Gênero: Aventura
Cor: Colorido
Título: O Novo Mundo
(the new world)
Diretor: Terrence Malick
Elenco: Jason Aaron Baca, Christian Bale, Greg Cooper, Colin Farrell, John
Ghaly, Michael Greyeyes, Jamie Harris, Christopher Plummer, Noah Taylor,
Q'Orianka Kilcher.
Produção: Sarah Green
Roteiro: Terrence Malick
Fotografia: Emmanuel Lubezki
Trilha Sonora: James Horner
Duração: 145 min.
Ano: 2005
País: EUA
Gênero: Aventura
Cor: Colorido
[1] Professor Doutor no curso de graduação em letras na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul UEMS-Jardim; email: alexandre_gonzaga@hotmail.com.
[2] A. Bosi explica como a ideologia alterou o modus pensandi da burguesia quando esta ascendeu ao poder em terras tupiniquins nos idos entre a Independência e a República. Na obra “Formações ideológicas na cultura brasileira” pode-se compreender como o liberalismo econômico se equilibrou com o regime escravista por vários anos no Brasil imperial. Por princípio eram ideias incompatíveis e excludentes, mas que no Brasil conviveram de modo até certo ponto harmonioso. De modo mais profundo e trabalhado, o mesmo autor explica a manutenção do pensamento escravista e como de certo modo essas contradições fizeram parte da formação cultural brasileira na obra “Dialética da colonização” (São Paulo: Cia das Letras, 1992)
[3] A competição acontece intragrupos ou intergrupos grupos , quando é restrita ao nível pessoal passa a ser uma rivalidade.
[4] Abraham Maslow, psicólogo e professor, publicou um trabalho onde descrevia sob a forma de pirâmide, uma escala hierárquica de necessidades. Essa teoria é fortemente utilizada no Management, principalmente nos estudos voltados ao marketing. Para saber mais, http://www.portaldomarketing .com.br/Artigos/maslow.htm.
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