sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

 

O CINEMA COMO LOCUS IDEOLÓGICO E CULTURAL

Alexandre Luís Gonzaga[1]

 

Resumo: o cinema é um veículo por excelência de costumes, culturas e ideologias. Buscou-se aqui expor os pressupostos básicos da ideologia e da cultura que são explorados pela indústria cinematográfica. Para isso trouxemos para discussão alguns exemplos de filmes que tratam de cultura em contato e em atrito. Baseamo-nos principalmente em A. Bosi e Durkheim para discutir ideologia, C. Lévi-Strauss e Della Torre para discutir cultura e Morgan para discutir metáforas.

Palavras-Chave: ideologia, atrito cultural, cinema

 

 

O cinema mundial, e em sua maioria o norte americano, retrata a cultura de diversas maneiras, nas mais diversas situações. Por isso, a proposta aqui é analisar brevemente algumas cenas em que apresentam situações de contato entre povos onde o componente ideológico-cultural é a tônica.

Assim, a proposta aqui é procurar entender a relação que existe entre ideologia e cultura e como estes componentes são representados quando em situação de contato intercultural.

Preliminarmente quer-se deixar claro que procuramos nos afastar do sentido comum dado ao termo “ideologia”, sentido esse que faz parte do sensu comum e cotidiano, ou seja, o termo que define uma convicção política de esquerda ou direita, ou ainda oposição ou situação num dado governo estabelecido.

Ideologia

Há uma necessidade de rever a concepção do termo no intuito de superar o sentido de equivalência à ideia e opinião, e ainda transcenda a reflexão marxista sobre o termo. Lembremo-nos aqui que o pensamento marxista concebe ideologia como um modo de dominação de uma classe social sobre outra. O pensamento marxista também reflete a legitimação da relação existente entre o Estado e o povo que é por este governado. Sendo que a ideologia disfarça a razão final que explica a divisão de classes e as relações de dominação. No entanto, a ideologia não só explica as relações de dominação como ainda é em si o próprio instrumento de proporciona a existência da dominação e que ajusta o pensamento da burguesia ao da aristocracia, nesse caso específico visamos à sociedade brasileira, como bem o disse Alfredo Bosi[2].

A ideologia ainda pode ser examinada sob o ponto de vista do poder, ou de modo mais claro, a ideologia como um discurso de poder. Assim, a ideologia orienta a produção de discursos que os atores sociais envolvidos na disputa pelo poder produzem. Esse princípio é trabalhado crítica e detalhadamente por Michel Foucault quando trata das relações assimétricas de sujeição e dominação, e por Pierre Bordieu ao examinar-se a constituição do poder como símbolo da dominação, ou seja, o “poder simbólico”.

A ideologia como fenômeno que se manifesta em qualquer sociedade assegura a coesão social e acaba por trabalhar no sentido de regular as relações entre os indivíduos. Durkheim (1993) nos diz que a ideologia funciona como um “cimento social” que age em diversas direções, tais como levar o indivíduo a aceitar seu papel social sem oferecer grande resistência, indicando condutas a seguir e que são em si a mola mestra do funcionamento da ordem social. Ainda nesse sentido, explora-se aqui a concepção de ideologia sob um aspecto formativo do sujeito humano, mas não relacionando com a formação da personalidade do indivíduo. Mesmo porque na discussão a qual nos propomos, a ideologia é facilmente observada em âmbito social, sendo individualmente não ser tão clara.

Posto então que se observará uma relação de dualidade nos indivíduos do tipo interpelação-reconhecimento, consequência da formação ideológica, seja ela opressiva ou emancipatória.

A ideologia, vista a partir do marxismo, é concebida como resultado de uma sociedade estruturada em classes, não tendo sua origem na sociedade capitalista, mas nela se constituindo em forma mais elaborada. Na concepção marxista, a ideologia surge após a divisão do trabalho, entre o intelectual e o material.

Assim, o termo ‘ideologia’ designa um conjunto mais ou menos social de ideias e valores. De acordo com Dumont (1992, p. 51) pode-se falar da ideologia de uma sociedade e também da ideologia de um grupo ou grupos mais restritos. Pode também observar a ideologia numa classe social ou num movimento. Ainda segundo Dumont, é evidente a existência de uma ideologia fundamental, ideologia-original ligada à linguagem comum e, nesse sentido, ligada ao grupo linguístico ou até à sociedade global. Classes sociais inseridas numa mesma sociedade se expressam numa mesma língua, mas estão mergulhados cada qual numa ideologia diferente. Proletários e capitalistas falam a mesma língua no Brasil, se assim não o fosse, não teriam como expressar oposição entre suas ideias.

Tendo em vista este conceito de ideologia chamamos a atenção ao fato de que o cinema constrói estereótipos para representarem as posições e oposições ideológicas por meio de estranhamentos culturais. Assim, passamos agora a examinar alguns pressupostos sobre cultura.

Cultura

Weber (1997, p. 17) diz que:

[...] é possível dizer-se que no domínio da ‘cultura’ tudo é ‘adaptado’ ou nada é ‘adaptado’. Pois é impossível eliminar a luta de qualquer vida cultural. Podem-se modificar os seus portadores, mas ela própria não pode ser suprimida. [...] A luta encontra-se em toda parte e por vezes afirma-se tanto mais quanto menos é percebida ou quando adota no seu transcurso a forma de uma omissão cômoda ou de uma complacência ilusória ou enfim quando se exerce sob a capa da ‘seleção’. A paz significa apenas um deslocamento das formas, dos adversários ou do objeto da luta, ou finalmente das chances de seleção.

Nesse mesmo sentido, mas de maneira diferente, para Lévi-Strauss (1952 [s.d.]) o contato intercultural resulta em progresso para ambas as culturas (ou civilizações). Assim, a diversidade nas culturas não deve ser vista de maneira estática, ou seja, os homens elaboram culturas diferentes em virtude da distância geográfica e outros fatores como o nível de conhecimento em que estavam em relação a outras sociedades. Deste modo, Lévi-Strauss concebe a ideia de que as diversas sociedades não ficaram totalmente isoladas umas das outras, mas em maior ou menor grau de contato em relação à linha do tempo. Assim, o filósofo argui sobre pressupostos a que atribui serem falsos ou verdadeiros sobre o evolucionismo cultural. E para tal exemplifica com interpretações populares sobre o valor utilitário das pinturas rupestres pré-históricas. Do mesmo modo, ao descrever brevemente o estado de civilizações pré-colombianas em relação à europeia, ilustra que a desigualdade se deu principalmente pela falta de contato entre as culturas.

O que se pode perceber é que Lévi-Strauss desenvolve seu postulado sem considerar, num primeiro momento, as implicações ideológicas das culturas quando em contato. O que Weber fez, como pode ser observado no excerto que abriu esta sessão, é considerar que as culturas em contato se adaptam em maior ou menos grau, mas que há sempre uma guerra em andamento, deslocando-se de alguma forma quando se observa uma paz aparente. Não se pode ignorar que num embate, seja ele de que natureza for, há sempre um forte componente ideológico no sentido que de que há disputa por poder, e a materialização desta disputa é a variável, a constante desta equação é o discurso pelo poder.

Kluckholn (apud Geertz, 2008) define cultura através de diversas frases:

O modelo de vida global de um povo;

O legado social que o indivíduo adquire do grupo;

Uma forma de pensar, sentir e acreditar;

Uma abstração do comportamento;

Uma teoria elaborada pelo antropólogo, sobre a forma qual um grupo de pessoas se comporta realmente.

Um celeiro de aprendizagem em comum;

Um conjunto de orientações padronizadas para os problemas recorrentes;

Comportamento aprendido;

Um conjunto de técnicas para se ajustar tanto ao ambiente externo como aos outros homens;

Ao mesmo tempo em que se percebe que as definições acertam o alvo, ainda sim são insuficientes, daí que Geertz partilhando da opinião de Weber diz que:

[...] o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumindo a cultura como sendo tais teias sua análise diz então que a cultura pode ser vista não como ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa à procura de um significado.

Ora, nesse sentido percebe-se um discurso definidor de cultura sobre si mesma, ou seja, os cientistas sociais e antropólogos produzem um discurso cultural sobre a cultura, um metadiscurso percebido como construção social, humana, particular e histórica, e ao mesmo tempo “percebida como natural, divino, universal e eterno” (SOUSA FILHO, [s.d.], p. 3)

A diferenciação de Della Torre entre dois tipos diametralmente opostos de culturas colabora grandemente no entendimento. Assim há aquela que se desenrola dentro de um grupo social cujos habitantes estão em situação de isolamento (cultura folk, aldeia tribal) e cultura civilizada (cidade grande, metrópoles). As características de um modelo e outro destacamos a seguir:

Quadro 1: comparativo entre cultura folk e civilizada

1 povos rurais, isolados, provincianos, relativamente fixos, pré-letrados, com sociedade simples, homogênea, “sagrada”, baseada em relações de parentesco

1 povos urbanizados em contato com todo o mundo; cosmopolitas, móveis, letrados, com sociedade complexa, heterogênea, “secular”, baseada na conveniência, troca impessoal e contrato.

2 onde os contatos predominantes são primários; os indivíduos têm status predeterminado; encontram-se quase todas as situações de suas vidas; compartilham quase todas as experiências particulares; os costumes são uniformes e cristalizados; os hábitos dos indivíduos são transmitidos apenas oralmente, de geração a geração.

2 onde os contatos predominantes são secundários; os indivíduos encontram-se somente em uma ou poucas situações de sua vida, não compartilham as experiências particulares; os costumes estão em fluxo; não mais controlam os hábitos dos indivíduos como antigamente, devido à complexidade das relações, alterações fáceis de um status e papel para outro;

3 onde há o máximo de estabilidade social; mínimo de mudança social; mínimo de desorganização social; máximo de acomodação pessoal; mínimo de alteração nos hábitos dos indivíduos; mínimo de desorganização pessoal.

3 onde há mudança social; alterações nos hábitos do indivíduo; desorganização social; problemas sociais.

4 condição principal: isolamento

4 condição principal: contato

5 outrora, campo principal de estudo do etnólogo. Exemplo a aldeia tribal.

4 outrora, campo principal de estudo do sociólogo. Exemplo a metrópole moderna.

Fonte: adaptado de Della Torre, 1984.

A diferenciação acima nos ajuda a perceber que há, naturalmente, posições intermediárias que Redfield (apud DELLA TORRE, 1984, p. 56) denomina de ‘modificações progressivas’, partindo da cultura folk ou isolada em direção à cultura denominada civilizada.

Dentro dessa perspectiva (aquela exposta por Della Torre), o grupo social que vai aos poucos tendo mais e mais contato com outros grupos, acaba por fazê-lo de dois modos, a saber, a cooperação e a competição. Quando há interesses comuns envolvidos e que beneficiam de algum modo ambos os lados, o que se observará mais facilmente será um ambiente cooperativo. Contudo, se algum dos lados, através de seus representantes, não ficar satisfeito com o modo de como se dá a cooperação, ou ainda, com os resultados que dela advém, o que se observará então será um ambiente competitivo.

A competição em si significa lutar pela sobrevivência, o que acontece com todos os seres vivos. Essa luta pode se dar em diversos níveis, as plantas competem pela luz do sol, aquelas que conseguem sobrepujar-se às outras terão maior chance de sobrevivência. O mesmo acontece no reino animal e com o homem, como ser que ocupa o topo da cadeia alimentar, não poderia ser diferente. Essa luta, quando falamos de seres humanos, não se limita ao aspecto fisiológico, mas estende-se ao âmbito social também.

Ao nos limitar ao âmbito social, fulcro desse ensaio, veremos que a luta transcenderá o caráter consciente, chegando ao nível inconsciente. A luta pode ser impessoal[3] também, visto que se pode desconhecer a causa, mas sofrerem-se seus efeitos, e assim, para minimizá-los ou escapar-lhe aos efeitos é que se vai lutar. Em sentido inverso, pode-se competir pela satisfação de desejos além daqueles que estão na base e nas posições intermediárias da pirâmide das necessidades de Maslow[4], como competir por luxo, fama e riqueza.

A competição instaurada no âmbito dos contatos sociais concorreu para a reordenação social, produziu fenômenos que reverberaram consequências que ecoam do modo indelével e sem volta. Uma dessas consequências foi a divisão do trabalho. Della Torre nos diz que

Cada indivíduo procura no trabalho a ocupação que julga, para si, melhor ou mais realizável dentro das possibilidades sociais. Mas como os homens exercem apenas poucas ocupações ou uma só ocupação especializada, competindo cooperam e produzem a divisão do trabalho. (op. cit., p. 76)

Indo além do conceito de divisão do trabalho, temos que a distribuição da população no mundo também se alterou quanto maior foi o contato entre os diversos povos. Dentro de um mesmo país pode-se observar cidades e regiões densamente povoadas em detrimento de outras regiões e cidades. Na busca por um melhor lugar para sobreviver o homem busca regiões onde há maior possibilidade para isso, por exemplo, regiões com maior oferta de alimento e emprego. Assim, tem-se a luta a que nos referimos anteriormente se desenrolando de modo diferente à luta contínua e sem controle (a luta pela manutenção da existência), mas uma luta que está sujeita às regras de uma economia ordenada, às leis e restrições sociais.

Assim chegamos aos fundamentos dos conflitos sociais, que é em si também uma luta, com pequenas, mas significativas diferenças.

O conflito social de acordo com Della Torre (1984, p. 81) é consciente, pessoal, intermitente, emocional, implicando violência ou ameaça dela. Os adversários são conscientes de suas divergências, pode-se observar a rivalidade, antipatia, ódio e críticas com tom emotivo.

Aquela autora lista oito tipos diferentes de conflitos, sendo eles: conflito de gerações, dos sexos, de raças, entre campo e cidade, de classes, econômicos, religiosos e internacionais. O que estamos a tentar fazer é por meio de metáforas expressar o que ocorre em algumas culturas, em alguns locais da cultura. Nesse sentido, escolheu-se como veículo de metáforas o cinema.

Vemos como inevitável utilizar metáforas como acessório à compreensão de fenômenos culturais a que nos propomos a examinar. As metáforas são usadas como artifício de linguagem e também como uma forma de ver e pensar que determina como compreender os fenômenos. Sabedores de que as metáforas criam somente uma forma parcial de percepção, tal como imagens observadas de único anglo, mesmo assim proporcionam uma perspectiva que podem funcionar como starter encorajando outros a buscarem novos aspectos.

As metáforas estão dotadas com as forças e limitações do ambiente social, mas são refletidas nas forças e limitações da sociedade na prática.

Da química, podemos extrair um exemplo de contato social que seria quando adiciona-se água em um meio ácido de alta concentração, veremos que ocorrerá uma reação violenta e exotérmica, acompanhada de explosão. Hoje, em algumas sociedades de religião fundamentalista, a presença de pessoas ou pequenos grupos de pessoas ‘xenas’ (estrangeiras) é repelida com veemência. Mas o inverso não se dá do mesmo modo, quando se adiciona ácido concentrado em meio aquoso, a reação é pouco percebida, há ligeira liberação de calor que pouco ou nada pode ser percebida. A diluição é tranquila. Quando um indivíduo ou pequenos grupos oriundos de ideologias fundamentalistas entram em contato com uma sociedade inteira não fundamentalista, poucos aparecem, quase passam despercebidos em meio à multidão.

A metáfora da diluição química busca ilustrar que um determinado contato intercultural pode resultar em diferentes reações. Especificamente, quando um grupo fundamentalista islâmico procura se concentrar em países ocidentais suas ações causam pouca visibilidade, precisam recorrer à ações violentas para serem notados. Entretanto, o inverso também é inverso nos resultados. Quando os soldados americanos desembarcaram no Afeganistão poucos anos atrás, iniciou-se uma reação de rejeição à presença deles, resultando em mortes quase diárias decorrentes do conflito.

A cultura em si já é uma metáfora, o termo que a designa deriva da ideia de cultivo, do processo de lavrar e de desenvolver a terra. Quando se fala em cultura, comumente se está fazendo referência ao padrão de desenvolvimento refletido no conhecimento acumulado, na ideologia, valores, leis e rituais diários e quotidianos.

Morgan diz que a palavra ‘cultura’ é também habitualmente usada para fazer referência ao grau de refinamento evidente nos sistemas de crenças e práticas. Quando se fala sobre sociedade, enquanto cultura, está sendo usada a velha metáfora da agricultura para chamar a atenção sobre aspectos muito específicos do desenvolvimento social. (1996, p. 116).

Introduz-se assim a ideia de prática cultural, o conceito de dinamismo na cultura, o movimento contínuo, e como tal suscetível a mudanças grandes ou pequenas. Assim como a metáfora da agricultura, que como tal é sabido não se pode repetir ano a ano o mesmo cultivo sob pena de esgotar-se a terra,

Cinema

Aqui trataremos brevemente de diferentes tipos de conflito com exemplificações cinematográficas.

 

        Cena do filme “Inimigo meu”

Dois pilotos de mundos diferentes e em guerra têm suas naves atingidas e ambos caem num planeta desabitado. O clima hostil e a situação de falta de alimento e abrigo obrigam os então inimigos a colaborarem como questão de sobrevivência mútua.

Aos poucos a barreira da língua é transposta através do aprendizado simultâneo do idioma de um pelo outro.

A mesma metáfora aparece em um filme norte americano anterior, de (XXXX) e se passa na II Guerra. Esta metáfora é mais direta porque mostra um oficial da marinha americana e um oficial da marinha japonesa sós numa ilha. 

O filme “Dança com lobos” ilustra o que podemos chamar de transculturalidade, o período retratado é o século XIX durante a conquista do oeste americano. Um soldado é instalado num posto avançado de vigia, solitário. Aos poucos entra em contato com os nativos. A barreira inicial da língua é superada com a presença de uma mulher mestiça que fala a língua do colonizador branco e do nativo indígena.

Em função da própria situação de minoria, o soldado aos poucos, se relaciona com o povo indígena e passa a conhecer um pouco da cultura, entre rituais e costumes, daquele povo nativo com o qual se relaciona. Com o convívio e a proximidade sua identidade vai se deslocando lenta e gradualmente, mas de modo indelével. Quando o exército americano manda um grupo de soldados até o posto, o soldado que lá estava, mais vivia na ladeia com os nativos do que no posto de guarda. A transito cultural fica evidente, o soldado usa ornamentos indígenas com o uniforme, fala a língua indígena e já não é mais reconhecido como soldado fiel à pátria, mas como desertor. O discurso do contato com tolerância é a tônica da história.

 

             Cena do filme “Dança com Lobos”.

No filme “O novo mundo” os primeiros contatos entre os indígenas norte americanos e o colonizador europeu é mostrado retratando um episódio da história americana que é a mistura de raças, e a aceitação difícil deste fato de ambos os lados.

John Smith e Pocahontas, inglês e índia, personagens históricos retratam o contato entre os dois povos. As culturas em atrito após o estranhamento do primeiro contato, as diferenças de interesses com a terra.

Esse contato remete também ao contato do europeu com a nativa (azteca?) cuja união resultou no termo “hijos de la chingada”. Símbolo do domínio europeu sobre o indígena do novo mundo.

Cena do filme O Novo Mundo

Ao trazermos o conteúdo de alguns filmes para discutir e buscar entender melhor as relações sociais em situação de contato entre culturas ou interculturais, precisamos ter em mente que algumas práticas veiculadas através dos filmes, vistos agora como meio de comunicação em massa, capazes de transmitir uma mensagem sem fazê-lo de modo explícito, podem criar representações simbólicas que desviam do real o fato narrado. A interação cultural, retratada nas películas apresentadas, traz formas simbólicas que, segundo Thompson (1995) possuem algumas características básicas. Elas são intencionais, ou seja, são a expressão de um sujeito para o outro; são convencionais no sentido de que são processos que envolvem regras, códigos o convenções. São estruturais, ou seja, trazem uma estrutura articulada que leva à necessidade de análise estrutural em suas inter-relações. Há também a característica do aspecto referencial, visto que as construções representam ou referem-se a algo sobre alguma outra coisa. E a última característica de Thompson está no aspecto contextual, pois de acordo com o autor, as formas simbólicas são sempre inseridas em processos e contextos sociais e históricos onde e por meio deles são produzidas. Assim, reitera-se a necessidade de assistir às películas sempre com olhar crítico, uma vez que as interações culturais retratadas criam ou reforçam as relações de dominação de um grupo sobre o outro ou preconizam sua exclusão.

Neste jogo de simbolismos e múltiplas linguagens não se pode perder de vista que mesmo quando baseado em fatos reais, um filme traz a representação de um fato visto a partir do olhar de seu diretor. Essas representações podem ser do impossível verossímil, caso do filme “inimigo meu”, possível e verossímil e possível inverossímil. Raramente se observa o impossível e inverossímil materializado cinematograficamente.

A noção de verdade é mais bem analisada sob o ângulo oposto, da mentira. Esta consiste intencionalmente em transmitir a alguém uma visão da realidade que seja diferente daquela que achamos verdadeira. Assim a mentira se define em relação à verdade. Contudo pode-se questionar em que medida a verdade é acessível pois que só com a medida da verdade teremos a medida da mentira. Esse questionamento levantado agora baseia-se no livro de Duradin (1997) que trata das mentiras na propaganda e na publicidade. A propaganda e a publicidade têm por objetivo modificar a conduta das pessoas por meio da persuasão, ou seja, sem parecer obriga-las a fazer o que desejam que se faça, usam de manipulação de informação desde divulgação parcial até a divulgação de informação falsa com objetivo de modificar o julgamento e a conduta de seus interlocutores. Trazemos a baila esta discussão de modo breve porque o produto cinematográfico é atualmente um dos principais veículos de informação e muito utilizado por aqueles que atuam com propaganda e publicidade.

A preguiça como cultura

Macunaíma é o título de um livro de Mario de Andrade, adaptado para o cinema em 1969. Jose Miguel Wisnick define o comportamento preguiçoso de Macunaíma como tendo “uma preguiça primordial, que é aquela que ocorre antes mesmo do esforço. Uma preguiça de quem nem sequer trabalhou." (WISNICK, 2011).

Cena de Macunaíma

Assim, Mario de Andrade tornou explícito um traço de comportamento cultural do rural e sertanejo brasileiro. Este estereótipo de comportamento se reproduz no discurso histórico em diversos momentos. 

Na década de 1930, especificamente em 1934 uma empresa farmacêutica associou a figura criada por Monteiro Lobato, o Jéca-tatú, a uma doença comum na época para justificar seu comportamento preguiçoso. Foi uma campanha de marketing bem sucedida promovendo um remédio que prometia curar aquele mal.

 

Com a finalidade clara e evidente de produzir efeito de humor, se estabeleceu um discurso sobre o que seria a proverbial preguiça do povo. Diversos contos e piadas aparecem ao longo da história para ilustrar esse estereótipo.

Considerações finais

Através de mitos construídos pela indústria cinematográfica é possível observar-se a materialização de diversos tipos de conflitos culturais.

Vimos que a ideologia é um dos elementos que mais fortemente determinam o comportamento cultural de um povo. E procurou-se explorar o conceito de cultura para expor os mais diversos fatores que podem e são explorados pela indústria cinematográfica.

A indústria cinematográfica é também um veículo de informações, de propaganda e de publicidade, que de uma forma ou de outra procuram modificar o comportamento de seu interlocutor. Entre o possível e o verossímil a indústria cinematográfica explora diversas possibilidades com o intuito também de alterar ou fortalecer um determinado modelo ideológico através da produção de estereótipos culturais comumente encontrados nas diversas sociedades.

Viu-se que há uma ideologia que pode ser vista como ideologia-mãe, é que esta liga-se estreitamente à língua de um povo, contudo em tempos de globalização, o que era uma barreira, a língua, contemporaneamente é facilmente transposta com o uso de dispositivos de tradução.

A discussão é vasta quando tratamos da mídia cinematográfica, visto que nem en passant mencionamos como a semiótica atua linguagem de modo a colaborar na disseminação de informações e conceitos sociais.

Dito isso, esperamos suscitar maiores discussões sobre cinema, ideologia e cultura.

REFERÊNCIAS

 

BOSI, A. Dialética da colonização. São Paulo: Cia das Letras, 1992.

 

COHN, G. [org], FERNANDES, F. [coord.]. Max Weber. 6. Ed. São Paulo: Ática, 1997.

DELLA TORRE, M.B.L. O homem e a sociedade: uma introdução à sociologia. 12. ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1984.

 

DURADIN, G. As mentiras na propaganda e na publicidade. Trad. Antonio C. B. Mattos. São Paulo: JSN Edit, 1997.

 

MENEZES, A. Mito ou identidade cultural da preguiça. Cienc. Cult. vol.57 no.3 São Paulo: July/Sept. 2005. Disponível em http://cienciaecultura.bvs.br/ scielo.php?pid=S0009-67252005000300005&script=sci_arttext. Acessado em 17.dez.2012.

 

MORGAN, G. Imagens da organização. Trad. Cecilia W. Bergamini, Roberto Coda. São Paulo: Atlas, 1996

 

LÉVI-STRAUSS. C. Raça e cultura. In Raça e história. Disponível em http://labphysis.fef.ufg.br/uploads/230/original_L%C3%A9vi-Strauss__Claude_-_Ra%C3%A7a_e_Hist%C3%B3ria.pdf?1334156726

 

RODRIGUES, J. A.[org.], FERNANDES, F.[coord.]. Durkheim. 6. ed. São Paulo: Ática, 1993.

 

THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Disponível em

 

WISNICK, J.M.. Ócio, Labor e Obra. Palestra. Sesc Vila Mariana. São Paulo. 01/09/2011. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/969163-macunaima-tem-uma-preguica-primordial-diz-jose-miguel-wisnik.shtml.

 

Filmes:

Titulo: Inimigo meu (Enemy mine)

Diretor: Wolfgang Petersen

Elenco: Dennis Quaid, Louis Gosset Jr., Brion James, Richard Marcus, Carolyn McCormick.

Produção: Stephen J. Friedman

Roteiro: Barry Longyear, Edward Khmara

Fotografia: Tony Imi

Trilha Sonora: Maurice Jarre

Duração: 108 min.

Ano: 1985

País: USA

Gênero: Ficção Científica

Cor: Colorido

 

Título: Macunaíma

País de Origem: Brasil

Gênero: Comédia

Tempo de Duração: 110 min

Ano de Lançamento: 1969

Estúdio/Distrib.: Condor Filmes

Direção: Joaquim Pedro de Andrade 

Elenco: Grande Otelo (Macunaíma); Paulo José (Macunaíma branco/Mãe de Macunaíma); Dina Sfat (Ci); Milton Gonçalves (Jiguê); Jardel Filho (Venceslau Pietro Pietra); Rodolfo Arena (Maanape); Joana Fomm (Sofara); Maria Lúcia Dahl (Iara); Hugo Carvana (homem com o pato); Maria do Rosário (Iquiri); Wilza Carla (mulher gorda); Myriam Muniz (mulher de Vaneslau).

 

Título: Dança com Lobos (Dances With Wolves)

Diretor: Kevin Costner

Elenco: Kevin Costner, Mary McDonnell, Graham Greene, Rodney A. Grant, Tantoo Cardinal, Rodney A. Grant, Floyd 'Red Crow', Robert Pastorelli, Charles Rocket, Maury Chaykin.

Produção: Kevin Costner, Jim Wilson

Roteiro: Michael Blake

Fotografia: Dean Semler

Trilha Sonora: John Barry

Duração: 180 min.

Ano: 1990

País: EUA

Gênero: Aventura

Cor: Colorido

 

Título: O Novo Mundo (the new world)

Diretor: Terrence Malick

Elenco: Jason Aaron Baca, Christian Bale, Greg Cooper, Colin Farrell, John Ghaly, Michael Greyeyes, Jamie Harris, Christopher Plummer, Noah Taylor, Q'Orianka Kilcher.

Produção: Sarah Green

Roteiro: Terrence Malick

Fotografia: Emmanuel Lubezki

Trilha Sonora: James Horner

Duração: 145 min.

Ano: 2005

País: EUA

Gênero: Aventura

Cor: Colorido

 

 

 

 



[1] Professor Doutor no curso de graduação em letras na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul UEMS-Jardim; email: alexandre_gonzaga@hotmail.com.

[2] A. Bosi explica como a ideologia alterou o modus pensandi da burguesia quando esta ascendeu ao poder em terras tupiniquins nos idos entre a Independência e a República. Na obra “Formações ideológicas na cultura brasileira” pode-se compreender como o liberalismo econômico se equilibrou com o regime escravista por vários anos no Brasil imperial. Por princípio eram ideias incompatíveis e excludentes, mas que no Brasil conviveram de modo até certo ponto harmonioso. De modo mais profundo e trabalhado, o mesmo autor explica a manutenção do pensamento escravista e como de certo modo essas contradições fizeram parte da formação cultural brasileira na obra “Dialética da colonização” (São Paulo: Cia das Letras, 1992)

[3] A competição acontece intragrupos ou intergrupos grupos , quando é restrita ao nível pessoal passa a ser uma rivalidade.

[4] Abraham Maslow, psicólogo e professor, publicou um trabalho onde descrevia sob a forma de pirâmide, uma escala hierárquica de necessidades. Essa teoria é fortemente utilizada no Management, principalmente nos estudos voltados ao marketing. Para saber mais, http://www.portaldomarketing .com.br/Artigos/maslow.htm.

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