sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

 

NEOLOGISMOS EM PERIÓDICOS DE HUMOR PUBLICADOS ENTRE 1887 E 1909

Alexandre Luís Gonzaga

RESUMO: A imprensa humorística e satírica produziu muitos neologismos com a finalidade de causar efeitos de sentido de humor muitas vezes apoiando-se em deslizamentos de sentido e dúbia interpretação. Este tipo de publicação tem características distintas peculiares ao universo cômico, com intenções diversas, desde a crítica social genérica passando pela crítica a pessoas específicas como políticos e governantes, até a crítica aos costumes da pessoa comum. A sátira e o deboche era o procedimento comum destes jornais. Buscamos consultar a hemeroteca digital da Biblioteca Nacional como fonte. Neste estudo analisou-se uma amostra de periódicos de humor publicados entre 1887 e 1909 disponíveis para consulta. Os termos selecionados foram agrupados em um glossário.

 

PALAVRAS-CHAVE: Arcaísmos, neologismos, glossário,

 

A imprensa humorística e satírica tem uma produção bastante profícua desde o século XIX no Brasil contando com muitos títulos publicados. Este tipo de publicação tem características distintas peculiares ao universo cômico, com intenções diversas, desde a crítica social genérica passando pela crítica a pessoas específicas como políticos e governantes, até a crítica aos costumes da pessoa comum. A sátira e o deboche era o procedimento comum destes jornais.

Neste artigo trabalhamos fatos da ordem do léxico, especificamente de lexias sobre as quais se apoiam os sentidos que dão efeito de humor. Assim, optamos por elaborar um glossário de itens lexicais constantes no corpus, e verificar com o uso de dicionários os sentidos atribuídos às lexias coletadas. Assim, procuramos inicialmente discorrer sobre a abordagem teórica que embasa nosso estudo como questões que envolvem a constituição de um glossário, os diversos dicionários consultados, neologismos e estrangeirismos e o humor na língua.

Um traço cultural marcante na cultura brasileira é a diversidade e a heterogeneidade, até como sinônimos uma da outra.

Como fenômeno, o estrangeirismo é observável na língua, portanto linguístico, se baseia no uso de vocábulos estrangeiros, expressões ou até frases inteiras adaptadas à língua nacional como substituição ou acréscimo de lexias. Como o léxico brasileiro é basicamente de origem latina, se vale de empréstimos de outras línguas para expressar ideias ou conceitos novos. A influência francesa foi marcante até a primeira metade do século XX, cedendo espaço para a língua inglesa cuja influência já se podia perceber no final do século XIX principalmente via poder econômico inglês. Muitos empréstimos entraram e permaneceram no léxico de tal modo que não são mais sentidos como estrangeirismo, pois que passaram por um processo de aportuguesamento lexical, sofreram modificações em níveis fonético, morfológico e sintático para se acomodarem à língua nativa.

O estrangeirismo é um fato da língua que tem presença constante, pois que devemos considerar a intersecção dos processos culturais com os processos linguísticos. O período compreendido entre o final do século XIX e início do século XX assistiu a imigração em ondas após a abolição do regime escravista. A necessidade de mão de obra para as lavouras foi o principal motivo da entrada de estrangeiros no país naquele período, mas não o único. A importação de objetos e a adoção de costumes estrangeiros também contribuíram grandemente para a entrada de estrangeirismos no léxico nacional. Na elaboração de nosso glossário, percebeu-se a presença de diversos estrangeirismos ligados a manifestações culturais e esportivas, como o carnaval com termos como pierrots, arlequins e colombinas, e o futebol com termos como goal, match, footballers, entre outros.

Considerando certos aspectos lexicográficos, podemos dizer nas palavras de Haensch (1982, apud BARBOSA, p. 23, 2001) que “los términos ‘dicionario’, ‘glosario’, ‘vocabulario’, de uso corriente en la actualidad, tenían en la antiguidad um significado distinto”, e que se alterou significativamente quando as diferenças da língua vulgar em relação ao latim se aprofundaram em todo o mundo romanizado. Bassetto (2001) lembra a origem dos glossários como anotações entre linhas ou mesmo nas margens de textos antigos com o objetivo de esclarecer momentos mais complexos do texto. Barbosa (2001) ressalta que as glosas aparecem em textos antigos em ordem que pode ser alfabética ou sistemática, para explicar o significado de determinadas lexias. Como apontamentos para explicar o significado de uma palavra, as glosas aparecem muitas vezes em notas de rodapé, mas ao aparecerem no final de um capítulo ou mesmo no final de uma obra as glosas coligidas ao longo do texto formam então um glossário. Contemporaneamente o termo ‘glossário’ é utilizado em obras lexicográficas para explicar lexias em textos dialetais ou até de um autor específico. Os termos ‘vocabulário’ e ‘glossário’ também podem ser usados quando se tem a necessidade de explicar lexias relacionadas a áreas de conhecimento específico, técnicas ou acepções distintas ao final de um texto que pode ser científico ou literário. Barbosa (op. cit) anota que as fronteiras entre as definições de vocabulário e glossário são muito tênues, pois que há uma relação de correspondência entre um termo e outro.

O glossário é um recurso útil para subsidiar o leitor na leitura de textos que contém lexias que podem gerar lacunas na compreensão plena destes e, por outro lado, como instrumento lexicográfico auxilia na análise do léxico em uso na época em que o texto foi produzido, de modo a evitar deslizamento da significação em que determinado signo foi empregado.

As obras de consulta para elaboração do glossário foram selecionadas de acordo com a disponibilidade, tanto online quanto física. O Novo Diccionário da Língua Portuguesa de Cândido de Figueiredo (D.C.F.) é um dicionário cuja primeira edição é de 1899 a segunda edição, utilizada neste estudo, é de 1913. Antenor Nascentes em artigo escrito em 1955 mostra que o dicionário de Cândido de Figueiredo:

[...] tem boas definições, nem sempre figura a pronúncia, traz pouca fraseologia, abona seus relativamente poucos exemplos indicando a fonte, claudica na parte etimológica. Entretanto, com todos estes defeitos e mais alguns que seria ocioso apresentar, é o dicionário por excelência da língua portuguesa. [...] É o mais copioso dicionário da lingua portuguesa ([1955] 2005).

Ainda sobre este dicionário, Fonseca (1998) nos diz que

Cândido de Figueiredo escreveu, em 1899, o Novo Dicionário da Língua Portuguesa, bem-vindo na ocasião, pois veio desbancar o Contemporâneo e o Morais[1]. Na apreciação de Sá Nogueira, é o mais rico, o mais modernizado até então, com pequenas abonações e etimologias, embora fraco nestas (mas menos que o Contemporâneo).

Pela legislação atual sobre direitos autorais, os direitos de cópia desta obra prescreveram, tornando a obra de domínio público, assim foi digitalizada e integra hoje o Projeto Gutenberg que tornou-a disponível para consulta e download.

Origem semelhante tem o Grande Diccionario Portuguez ou Thesouro da Lingua Portugueza de Frei Domingos Vieira, obra de 1871 integralmente digitalizada por iniciativa da empresa Google Inc. 

O Glossário dos Periódicos Humorísticos se compõe de um inventário de lexias inventariadas em uma amostra de dez jornais publicados no período entre 1887 e 1908 disponíveis para consulta digital na hemeroteca da Biblioteca Nacional. Foram jornais pequenos, de baixa tiragem e dos quais se conhece apenas alguns exemplares, em alguns o exemplar é único.

Nosso objetivo é buscar e identificar lexias usadas para dar efeito de sentido cômico ao discurso de humor e sarcasmo, mostrando que algumas transcenderam o tempo e permaneceram no léxico contemporâneo, outras lexias, no entanto hoje estão em desuso. Para determinarmos isso, precisou-se consultar a acepção que os lemas possuíam como significação na época em que foram usados. Percebemos que algumas lexias constituíam neologismos àquela época, o que mostra também que o léxico não pode ser visto “como uma listagem estática” (CALÇADA, 1995, p. 853)

O jornal O Veneno, publicado em 1908 traz um artigo que conta a história de um golpe aplicado em Sorocaba-SP cujo golpista em dado momento vai-se embora levando consigo certa quantia em dinheiro:

O homem abancára e tinha com a sua partida provado exhuberantemente que sabia trabalhar... Assim, muitos rodaram na onda, marcharam com o gajo e elle, “bamboleando airoso as abas do seu fraque”, lá se foi todo alegrete caminho da Paulicéa (jornal o Veneno, 1908, p. 1).

Uma dificuldade que tivemos na elaboração desta coletânea foi a acepção que a lexia destacada teria no texto examinado. Algumas lexias ofereceram maior dificuldade de determinação de significado, como abancar que no texto examinado o sentido seria de fugir, contudo nas obras de consulta o sentido era incongruente. O Grande Diccionario Portuguez ou Thesouro da Lingua Portugueza de Domingos Vieira traz a acepção de:

Abancar-se, v. refl. Assentar-se á banca; senta-se em um banco. Abancar-se como escriptor; abancar-se na irmandade, sentar-se entre os mezarios nos bancos que lhe são reservados. Tambem se empresa por: sentar-se com todo o vagar e á vontade (1871, p. 10).

No dicionário Cândido Figueiredo (1913), o lema tem o seguinte significado:

Abancar: v. t. Distribuir por lugares á roda da banca. V. i. Sentar-se á banca.

Na Encyclopedia e Diccionario Internacional (1935) obtemos a seguinte acepção:

Abancar (de banca), v. tr. Distribuir por logares á roda da banca. | v. intr. e prep. Assentar-se á banca com intenção de demorar-se.

Abancar (de banco), v. tr. Guarnecer com bancos: A camara mandou ABANCAR as praças e jardins publicos. [...]

Nos dicionários de língua portuguesa o sentido que se procura do referido lema demora a aparecer No Dicionário Escolar da Língua Portuguesa de Francisco da Silveira Bueno (1957) a acepção e:

abancar, v. t. Dispor em volta da banca; sentar em banco; int. e p. sentar-se à banca ou à mesa; sentar-se; guarnecer com bancos. Derivs.: abancado, abancação, abancamento.

O Dicionário Gallego-Castellano da Real Academia Galega (1913-1928) o lema tem o significado de:

abancar: 1 tomar la delantera á outro em uma labor cualquiera; 2 trepar por lós muros ó paredes de uma huerta para robar lãs frutas,

Essas acepções se repetem em dicionários da língua galega em anos posteriores. Assim, acreditamos que em um deslizamento de sentido para um discurso jocoso o lema se aproxima da acepção em que aparece no contexto de humor do jornal.

No Dicionário Brasileiro Ilustrado (OLIVEIRA, 1978) as acepções são as seguintes:

ABANCAR, v. v. r. – A + banco + ar. V. t. d. Colocar em torno da banca; sentar em banco.

ABANCAR, v. int.Orig. africana. Fugir; correr no encalço de alguém.

O Moderno Dicionário Brasileiro de Antonio Carlos Barbosa (1979) traz a seguinte acepção:

ABANCAR, v. t. Dispor em volta da banca; sentar em banco; int. e p. sentar-se à banca ou à mesa [...]

Entre as obras consultadas, o Moderno Dicionário Brasileiro, (1983) traz a seguinte acepção compatível com o sentido empregado no jornal:

ABANCAR, v int. Fugir; correr no encalço de alguém.

No Dicionário de usos do Português do Brasil de Francisco S. Borba (2002) constam os seguintes significados:

abancar1 V [Ação] [Compl de lugar] 1 ocupar: Walter Pompeu abancava a meu lado (MEC) [Pronominal] [+ Compl de lugar] 2 sentar-se; instalar-se [...]

abancar2 V [Ação] fugir:Cavalcanti não esclarece se abancou por matreirice [...]

O Novo dicionário Aurélio (2004) traz as seguintes acepções:

abancar1. [De a2 + banco1 + -ar2.] V. t. d. 1. Guarnecer com bancos. Int. P. 2. Tomar assento, sentar-se, assentar-se.

abancar2. [De a2 + banca + -ar2.] V. t. d. 1. Dispor em volta da banca ou da mesa. T. c. 2. Sentar-se ou assentar-se. [...]

abancar3. V. int. Correr em fuga, ou no encalço de alguém [ver fugir (1 e 2)] [...]

E finalizando este breve levantamento de acepções do lema em referência, o Dicionário Houaiss da língua portuguesa (2001):

1abancar v. (1783 cf. DDP) 1. t.d. Guarnecer de bancos [...]

2abancar v.(1858 cf. MS) 1. t. d. int e pron. Dispor(-se) em torno da banca ou da mesa [...]

3abancar v (a1949 cf. MS) 1. int. correr fugindo de alguma coisa ou perseguindo-a [...] ETIM. orig.. obsc.; JM levanta, com dúvida, a hipótese de uma origem africana [...].

Ressaltamos que Houaiss assinala a possível, porém duvidosa, etimologia africana atribuída por José Pedro Machado (JM).

No jornal O Veneno a lexia ‘abancar’ foi usada em sentido metafórico que se aproxima da acepção dada pelo dicionário de língua galega, foi a primeira obra entre as consultadas cujo sentido é conexo com o sentido empregado no jornal, de modo que consideramos essa lexia um neologismo por empréstimo em 1908 no país. Assim definido, o lema ainda pode ser classificado como um neologismo semântico, pois apesar do lema constar em dicionários da época e subsequentes, no jornal a lexia ganha uma nova conotação.

Para Ullmann (1970) o aspecto emotivo do significado da palavra depende grandemente do contexto em que é empregada. Assim sendo, o contexto pode desempenhar papel vital na fixação do significado das lexias e no caso específico da lexia ‘abancar’ é o contexto quem determina sua conotação, de modo que o contexto neutraliza o traço de significação conhecido para instaurar uma nova significação lexical, podendo dar origem ao neologismo.

As alterações semânticas de uma espécie estão relacionadas direta ou indiretamente a alterações de espécie diferente (SAID ALI, 1951, p. 81); dito de outro modo, o domínio semântico de uma lexia aumenta ou diminui com o aumento ou diminuição do domínio de outro termo. Com aumento do domínio Said Ali (ibid.) diz que pode ser quando um termo se sentido especial passa a ter sentido geral. Processo semelhante se dá com o desuso ou desaparecimento de alguma lexia por haver outro termo ou expressão tomado seu lugar em decorrência ter sido julgado mais adequado ou merecido a preferência.

Uma situação conhecida a partir de Bréal (apud SAID ALI, 1951, p. 83) é a polissemia, quando um termo é usado com diversas acepções devido à língua não criar lexias com facilidade. A lexia ‘esquálida’ (jornal A opinião, 1897) aparece no Dicionário de Moraes Silva (1789) como “adj. poer. Sujo. Cam. Lus. “a barba esquálida”. No Dicionário de Silva Pinto (1832) como “adj. pea. br. Sujo, imundo”, mas sem fazer menção de datação. Esta lexia aparece, em nossa pesquisa, com o sentido empregado no jornal somente em 1957 no dicionário de Silveira Bueno, quando então passa a ser polissêmica.

O glossário está organizado em forma de tabela onde pode-se observar o nome do periódico, ano de publicação e os lemas que foram destacados. Os lemas estão listados abaixo por ordem de ocorrências.

O Glossário

Jornal A Opinião - 1897

Frack – (D.C.F.) fraque m. Casaco curto, cujas abas se afastam, do peito para baixo. (Do al. frack). 

Thesouro de Antenor Nascentes: FRAQUE — Do al. Frach, casaca, através do fr. frac: Os franceses chamara Jfi'meíc o que nos chamamos fraque. V. G. Viana,

Apost., II, 35, Mario Barreto, Novos Estílelos, 317.

 

Macambusio (D. C. F.) adj. Pop. Carrancudo; embezerrado; triste. (grafado com ‘z’)

Esquálida (D.C.F.) adj. Sórdido. Desalinhado: “a barba esquálida”. Lusíadas. Carrancudo. (Lat. squalidus)

 

Dic. Francisco Silveira Bueno – 1957: esqualidez, s. f. Palidez; fraqueza; desalinho; desasseio.

(1ª vez que aparece entre os dicionários consultados com o sentido do texto)

Turumba (D.C.F.) turumbamba m. Bras. do N. Altercação. Desordem, balbúrdia.

Z.B.D.E.U. refere-se a zébedeu. Embora seja um nome bíblico, era o pai de João e Tiago (Mateus 10:2), tem a acepção popular de “  individuo que não entende direito o que se comenta para ele sobre um determinado assunto; de difícil compreensão; burro. Também se define como um individuo sem futuro ou sem ação; abestalhado, palerma.” (Dic. Informal- www.dicionarioinformal.com.br)

Gatuno (Dic. Rafael Bluteau) termo de chularia. Velhacão, tonate.(D.C.F.) m e adj. Vadio; larápio; ratoneiro.

Pato (D.C.F.) m. [...] Chul. Idiota, parvo.

O jagunço – 1903

Cabuloso (D.C.F.) adj. Bras. O mesmo que manhoso.

No texto aparece com a acepção de desagrado e antipatia, acepção contemplada somente no

Dic. Houaiss: 3 desagradável, antipático

Xilindró (D.C.F.) m. chul. Outra forma de chilindró. m. Pop. Estação policial; calaboiço.

Jornal O Veneno – 1908

Art nouveau: Arquitetura, estilo internacional de arquitetura e arte decorativa de influência geométrica em voga entre 1890 e 1910.

Lectrizes e ledores (D.C.F.) ledor m. e adj. O que lê (Lat. lector). Logo, lectriz seria o feminino de lector.(Nota do autor)

Chronique: do francês, significa ‘crônico’, usado no texto pela semelhança morfológica com o lema ‘crônica’.

Arame (D.C.F.) Bras. Chul. O mesmo que dinheiro.

Roxura do porco (D. Houaiss) s.f. 1 m.q. roxidão ('cor') 2 fig. situação difícil; aperto, contratempo 3 fig. desejo intenso; ânsia, excitação 4 fig. o que causa prazer, satisfação; delícia  etim roxo + -ura

Grude: na acepção de alimento (comida)

Dic. Antonio Moraes Silva (1789) diz que o grude é substância “extraída dos coiros dos animaes bem cosidos; colla; de buxos de alguns peixes”. De onde podemos supor a origem de se associar “grude” a alimento.

(Dic Franc Silv Bueno 1957): s.m. Cola; massa usada na fabricação do calçado; (Bras.) refeição; comida.

D. Houaiss: 11 B infrm. joc. alimento, comida, esp. a ordinária ou a comum; bóia <o g. estava à mesa>.

 

Fanfulla – graça de um personagem histórico, herói nacional da Itália, que foi combatente de Lodi, comuna italiana que fica na região da Lombardia – fonte: jornal Fanfulla. http://www.jornalfanfulla.com/paginas.asp?categoria=o-jornal

Violonomaníaco (Dic. Houaiss): “maníaco: el.comp. pospositivo, formador de adjetivos e agentes de -mania 'loucura, demência' (ver), cujos comp. em princípio têm der. com este el.”. Comporta a abertura para casos ocasionais como este em referência.

Cabuloso (D.C.F.) adj. Bras. O mesmo que manhoso. Não na acepção de algo obscuro, como no texto.

Dic. Houaiss: 4 complicado, obscuro.

 

Coió (D.C.F.) 1 adj. T. de Gaia. Ordinário, reles, que não presta para nada.

O Badalo – 1897

Cocotes: (D.C.F.) f. Neol. Papel de côr, atado em fórma de boneca de envernizador, e que, contendo papelinhos e areia, ou outros objectos, se emprega como projéctil em folguedos do Carnaval.

Chamamos a atenção para esta acepção não recuperada no Dicionário Houaiss.

O jornal onde aparece esta lexia foi publicado no período de carnaval.

Bilontras: (D.C.F.) m. Velhaco. Espertalhão. Bras. Homem desprezível, que frequenta lupanares e más companhias.

Calomelanos> (Dic. Houais) s.m. (1695 cf. CSPMed) farm cloreto mercuroso (Hg2Cl2) us. como purgativo, anti-sifilítico e como elétrodo de referência (mais us. no pl.); dragão-amansado, protocloreto de mercúrio  etim cal(i/o)- + -melano 

Cachexia: (D.C.F.) f. fraqueza geral do organismo. Abatimento senil. (Gr. kakhexia)

Labregos: (Dic. De Usos): indivíduo grosseiro.

(Dic. Franc Silv Bueno- 1957): adj e s. m. Rústico; aldeão (fig); malcriado; grosseiro; s. m. antiga alcunha de portugueses; galego; s. m. espécie de arado [...].

(Dic. Enciclopedico chama de brasileirismo)

Trotoir: do francês (Dic Houaiss) substantivo masculino

1             calçada de rua; passeio

2             a prostituição, esp. de quem usa as ruas para o aliciamento de clientes

Adresse: do francês: endereço

Ramalhudos adj. Que tem muita ramagem. Dividido em muitos ramos. Fig. Que tem muitas phrases e poucas ideias. Que ramalha. Que tem pestanas longas e bastas, (falando-se dos olhos). (De ramalho)( O Léxico é um dicionário online de português com mais de 320.000 palavras registadas. http://www.lexico.pt/)

(Dic Enciclopedico) :  adj.  Que tem muita rama [...] fig Que tem muitas palavras e frases e poucas ideias.

 

Paquete (packet – navio)

O Bilontra – 1887

Urbi et orbe: grafa-se com ‘i’ (urbi et orbi) significa “à cidade de Roma e ao mundo” é a benção de Páscoa e Natal proferida pelo Papa ao público da praça de São Pedro.

Bilontragem (definido pelo próprio jornal) bilontragem para nós é synonimo de gracejar, rir, e fazer cócegas naquelles que forem circumspectos e taciturnos.

(D.C.F.) f. Procedimento de bilontra. Súcia de bilontras.

Tou à fait chic: do francês, grafa-se tout á fait chihc, significa ‘tudo muito chique’.

Crocodiláceos: no texto tem a acepção de olhos fixos de conquistador amoroso.

Mignon: do francês (Dic Houaiss) adjetivo

1 elegante, harmonioso, de tamanho pequeno e ao mesmo tempo delicado

 apositivo e substantivo masculino

Rubrica: artes gráficas. Diacronismo: antigo.

2 m.q. miúdo

 

Pindahyba (D.C.F.) pindaíba f. Corda, feita de palha de coqueiro; ibira. Bras., gír. de estudantes. Falta de dinheiro.

Zé-povinho: pessoa curiosa e fofoqueira; pessoa maledicente e mentirosa. (http://www.dicionarioinformal.com.br/z%C3%A9-povinho/)

Zé-Pereira: personagem de carnaval; forma de diversão de grupo de foliões  tocando bumbos e desfilando em parada. Há uma marchinha carnavalesca que ilustra o personagem: E viva o Zé Pereira/ pois a ninguém faz mal/ E viva a bebedeira/ Nos dias de Carnaval.

(Nota do autor baseada em MORAES, Eneida de. História do carnaval carioca. Rio de Janeiro: Record, 1987

Chinga (D.C.F.) xingar v. t. Bras. Insultar com palavras. V. i. Zombar. (do quimb.)

Famélico fisco: Fisco é um termo que se refere ao gestor do Tesouro público em nome do Estado; parte da administração pública encarregada de cobrar os impostos. (Nota do autor)

Zé-Caipora: primeiro personagem nacional dos quadrinhos no país, de Angelo Agostini (As Aventuras de Nhô-Quim & Zé Caipora: os primeiros quadrinhos brasileiros 1869-1883. de Athos Eichler Cardoso. Brasiília-DF: Edit. do Senado Federal, 2000)

O Canudo – 1897

Moralgia inter-costal: o sufixo algia é um termo técnico da área da saúde e significa dor; é acompanhado de um radical que designa a região do corpo acometida pela dor. Tem sentido figurado, algo como um sofrimento moral que recai sobre as costas ou consciência de alguém.

Sexo barbado: o gênero masculino

Bondecídio: ‘cídio’:sufixo nominal de origem latina, que ocorre em substantivos e exprime a ideia de morte ou extermínio. O efeito de humor está no texto que se refere ao atropelamento de um gato por um bonde tracionado a cavalo, e que cujo cocheiro teria sido preso pelo tal ato. (nota do autor, baseado em: -cídio in Dicionário da Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [consult. 2014-12-09 13:38:30]. Disponível em: http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/-cídio)

Sportsmen: do inglês, esportistas..

 

Verve: do francês, (Dic. Houaiss) substantivo feminino

1 entusiasmo e inspiração que animam a criação e o desempenho do artista, do orador, do poeta

Ex.: a v. de Picasso e de suas obras

2 Derivação: por extensão de sentido.

graça ou vivacidade que caracterizam uma personalidade, ou o que ela produz

Ex.: <ela tem muita v.> <a v. de suas anedotas>

3 Derivação: sentido figurado.

sentimento de vida, vitalidade

Ex.: anda desanimado, sem v.

 

Pélla (um jogo)

Bonets: boné

O Urubú – 1896

Proboscidas: (D.C.F.) probo m. que tem carácter integro; justo; honrado; recto (Lat. probus); no texto há o acréscimo do sufixo nominal de origem latina, que ocorre em substantivos e exprime a ideia de morte ou extermínio; o efeito de humor está em alguém que mate ou extermine a integridade, justeza e honradez no reinado de Momo (período do carnaval).

Treé chic: do francês ser chique.

Dangereuse en amours: do francês, amor perigoso. No texto tema acepção de conquistador.

Rendez-vouz: do francês, (Dic. Houaiss) substantivo masculino

1             ponto de encontro; local escolhido para entrevista, conversa etc.

2             (1877)

encontro combinado de antemão

3             ver randevu

4             Rubrica: astrofísica.

encontro de dois ou mais engenhos espaciais

. No Btasil com a grafia ‘randevu’ tem a acepção de

casa de prostituição; bordel, prostíbulo, rendez-vous

 

Derby: do inglês, (Dic Houaiss) substantivo masculino. Rubrica de esportes. Regionalismo: São Paulo.

jogo, partida ou competição esportiva de grande destaque (como o Derby de Epson, na Inglaterra)

atualmente é o confronto entre dois clubes rivais de uma mesma cidade, o mesmo que "clássico"

A tesoura – 1895

Pessoal Quadrupedante: no texto refere-se a cavalos para tração de bondes, expressão para efeito cômico.

Pantagruélicamente: (D.C.F.)  pantagruelismo m. Espécie de philosophia epicurista. Systema dos que se preocupam exclusivamente dos gozos mate

 

riais da vida.

Caratonha (Dic. Moraes Silva – 1789) carantonha: s.f Cara feya. § Mascara. Fazer carantonhas: medo.

 

Pindahyba (D.C.F.) pindaíba f. Corda, feita de palha de coqueiro; ibira. Bras., gír. de estudantes. Falta de dinheiro

Está bom, deixa... – 1903

Carnuzidade: no texto é um termo elogioso chulo à beleza de uma mulher.

Talagada: (Dic. Houaiss): s.f. regionalismo: Brasil Uso informal. Gole de bebida alcoólica que se toma de uma vez. Neste dicionário a datação é sXX cf.Antonio Geraldo Cunha.

O Trabuco – 1900

Pirrimpinpado: lexia não consta nos  dicionários consultados. No texto a lexia tem o sentido de que ou quem é muito vaidoso, também elegantemente trajado.

  Afuncamento: (D.C.F.) funca: m., f. adj. Pessoa, ou coisa de pouco préstimo.

((D. Houaiss): funca: Regionalismo: São Paulo. 1. Uso: informal. pessoa ou coisa sem valor, utilidade ou préstimo

 adjetivo de dois gêneros 2. de caráter ruim; mau.

Apesar de constar como regionalismo paulista, localizou-se duas ocorrências da forma reflexiva afuncar-se  em jornais do Ceará. (O trabuco e O libertador edição de  19.dez.1884)

Fonte: pesquisa do autor

O propósito principal deste texto foi o de apresentar um glossário construído a partir de uma amostra de jornais de humor do final do século XIX e início do século XX. A linguagem nos periódicos de humor era articulada sem o controle característico dos periódicos de grande circulação quanto ao formato, assunto abordado e o modo de abordagem. Embora não se tenha feito uma comparação direta, acredita-se que a ocorrência de estrangeirismos e neologismos seja mais frequente nos periódicos de humor devido ao seu modo iminentemente coloquial de redação que se pode notar nestes periódicos.

Pôde-se notar também que na ocorrência de estrangeirismos há uma crescente mudança de preferência de palavras francesas para inglesas. As diversas categorias antes rotuladas com lexias francesas passam aos poucos a serem rotuladas com lexias da língua inglesa e ganham cada vez mais espaço na cultura nacional. Os critérios de classificação de objetos são diretamente ligados ao efeito de humor pretendido e ao impacto que pode causar no leitor; os modismos também constituem fatores relevantes no léxico. A influência das novas modalidades esportivas importadas e o comércio os com países de língua inglesa podem ter sido determinantes para a mudança, levando o “falar francês” a deixar de ser três chic e o “falar inglês” ser um must.

Entre as diversas lexias listadas estão elementos neológicos que decorrente da aceitação da sociedade permaneceram e ainda podem ser observadas ocorrências de uso efetivo. Por outro lado há elementos lexicais que no período pesquisado eram neologismos, o lexicógrafo incluiu as lexias em dicionário, mas que caíram em desuso e hoje podem ser considerados arcaísmos, é o caso de bilontra.

Há questões que devem ser observadas como as ocorrências de produção neologística baseada em processos de sufixação ou prefixação. O sufixo nominal latino “cídio” que ocorre em substantivos para exprimir a ideia de morte ou extermínio foi o mais observado nos periódicos que fizeram parte de nosso corpus.

Por fim, os periódicos humorísticos analisados marcaram o discurso jornalístico da época pela crítica viva aos costumes, a política aparece em alguns momentos, mas não como mote principal.

Esperamos ter contribuído para tirar do esquecimento periódicos que de algum modo marcaram a imprensa nacional e possivelmente ter contribuído para os estudos do léxico.

 

 

Referências

 

BARBOSA, A.C. Moderno dicionário brasileiro. São Paulo: Ed. Egéria, 1979.

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[1] Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa de António Lopes dos Santos Valente e prefácio de Carlos Aulete (1881); Dicionário da Língua Portuguesa de António de Morais Silva (1789)

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