FEMINISMO NO BRASIL DO
SÉC. XIX: o jornal “Sexo Feminino”
Alexandre L. Gonzaga (UFMS)
A
imprensa no Brasil teve início em 1808 com a transferência da família real e da
corte portuguesa de Lisboa para o Rio de Janeiro. Diversos periódicos desde
então foram publicados no país e destaca-se um relevante número de publicações destinadas
ao público feminino, e entre estas publicações aparecem, publicações de caráter
feminista. O Jornal das Senhoras, publicado no Rio de Janeiro em 1852, o
periódico “O Bello Sexo” aparece em 1862 e “O sexo Feminino” em 1873. Este último
periódico começou a circular em 7 de setembro de 1873, editado inicialmente em
Campanha, estado de Minas Gerais, e depois em 1875 no Rio de Janeiro, cada
edição com quatro páginas somente texto, sem ilustrações, por D. Francisca
Senhorinha da Motta Diniz com auxílio de algumas colaboradoras. De acordo com Woitowicz
(2008) O jornal “O Sexo Feminino” foi provavelmente o primeiro periódico cujo
principal objetivo era o de divulgar e discutir causas femininas como os
direitos no casamento e mulheres que eram tratadas em regime de semiescravidão
pelos maridos. As mulheres eram quase completamente submissas e reprimidas no
século XIX, na relação conjugal, o casamento, a família e a maternidade eram
imposições às mulheres, e á sua responsabilidade ficava o serviço doméstico e a
criação dos filhos ficando para o marido a responsabilidade de suster as
necessidades da casa. Nesta clara desigualdade dos papéis as mulheres tinham
reduzidas a participação social, a autonomia e a individualidade. Também no
ambiente escolar não era muito comum a presença de mulheres. Morel e Barros
(2006, p. 60) nos dizem que foi apenas na segunda metade do século XIX que se pôde observar um número
razoável de mulheres alfabetizadas, que se interessavam por poesia e romances
de folhetim. O jornal “O Sexo Feminino” trazia romances de folhetim
provavelmente como um possível atrativo, mas seu foco era essencialmente a
educação e a emancipação da mulher, assumindo assim um caráter expositivo da
condição social feminina. O jornal ia além da observação imparcial da dinâmica
política e social, mas a materialidade discursiva, não só do conteúdo do
jornal, mas pela própria existência deste pode ser visto per se como gesto de contestação. A própria data escolhida para
circulação da primeira edição já tinham em si uma evidência de contestação, a
independência do política do país e a independência social da mulher. O
primeiro parágrafo do jornal já mostra a que veio, com o título “A educação da
mulher”, diz que apesar das zombarias, indiferenças, da perseguição dos
retrógrados e até de chufa e mofa de conterrâneas O Sexo Feminino lutará até morrer, e finaliza a coluna inicial
conclamando “viva a independencia do nosso sexo! Viva a instrucção da mulher!
Vivão as jovens campanhenses!”. Assim, nessa fala a editora do jornal reafirma
a proposta do periódico de rejeitar qualquer oposição à defesa dos direitos
femininos. A materialidade discursiva no editorial da edição inaugural causa um
efeito de sentido persuasivo que conclama a uma necessidade do momento. A
editora Senhorinha Diniz enuncia de um lugar virtual, o logos, de onde constrói o ethos
de orador, podendo se mostrar por meio das escolhas que ela faz para passar
para a leitora uma impressão de si de alguém empunhando uma bandeira, tal qual
o quadro de Delacroix “A liberdade guiando o povo”. O destaque do político, do
ideológico e do histórico é bastante acentuado no jornal. Orlandi (1995) nos
diz que os limites do dizer pode ser contextualizado sócio-historicamente, em
particular em relação ao poder-dizer. O discurso editorial de “O Sexo Feminino”
envolve uma política antissilenciamento, cujo sentido remete à censura social
machista à qual as mulheres estavam sujeitas, pode ser explicitada também em
relação ao não dito dessa política. A força do discurso silenciado pode ser
visto na tiragem do jornal. Nascimento e Oliveira nos dizem que primeira
impressão da primeira edição foi de 800 exemplares, e que foram reimpressos
outros 4 000 exemplares para satisfazer às reclamações de assinantes que
exigiam os números anteriormente publicados. A força argumentativa da
enunciação da editora do jornal ganha mais força à medida que divergir do
discurso social vigente, mas que se mostra verossímil e defensável. A validação
do discurso passa então pela aceitação dos valores propostos na argumentação
aos destinatários da enunciação. Um desdobramento da estratégia argumentativa de
Senhorinha Diniz exige do destinatário a recuperação de crenças compartilhadas,
assim, para convencer o leitor, a editora lista vários nomes de senhoras que
estudam em uma escola normal local,
chamadas de normalistas. Nesse momento, o efeito de sentido que o enunciador
causa é o da mulher que é mãe que detém o poder da mudança social, de melhorar
a sociedade. Recorre-se aqui a Pêcheux, a fim de nos localizarmos melhor em
nossa base teórica, o discursivo é amplo, e em função da amplitude precisa-se
categorizar análise e, para isso faze-se uso de categorias comuns às ciências
sociais como “quem diz o quê, para quem, onde e quando”, e também o situar em
um lugar, ou seja, de onde as pessoas falam e de quais lugares. A editora
Senhorinha Diniz marca seu discurso com citações filosóficas, desse modo
caracteriza a alteridade através do discurso relatado, revelando sua formação
discursiva e de onde ela, como sujeito enunciativo fala. A veiculação de
citações também se soma à construção da imagem de si que o enunciador pretende
partilhar, uma imagem de autoridade da qual não se questiona. A somatória
desses elementos colaboram para compor o ethos
da editora do jornal. Chama a atenção na apresentação do periódico a
pressuposição da oposição, não necessariamente a oposição constitutiva, mas a
posição contrária à emancipação feminina. A editora do jornal pressupõe a
inscrição de um duplo destinatário, um que apoia e outro que se opõe à causa,
por isso expõe a base de sua proposta, que é a instrução e a educação das
mulheres de seu tempo. A editora pretende que seu jornal seja um veículo de
informação da verdade, trazendo à lume a capacidade intelectual feminina e
conclamando mulheres e homens a aderirem à esta causa.
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