sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

 

FEMINISMO NO BRASIL DO SÉC. XIX: o jornal “Sexo Feminino”

Alexandre L. Gonzaga (UFMS)

 

A imprensa no Brasil teve início em 1808 com a transferência da família real e da corte portuguesa de Lisboa para o Rio de Janeiro. Diversos periódicos desde então foram publicados no país e destaca-se um relevante número de publicações destinadas ao público feminino, e entre estas publicações aparecem, publicações de caráter feminista. O Jornal das Senhoras, publicado no Rio de Janeiro em 1852, o periódico “O Bello Sexo” aparece em 1862 e “O sexo Feminino” em 1873. Este último periódico começou a circular em 7 de setembro de 1873, editado inicialmente em Campanha, estado de Minas Gerais, e depois em 1875 no Rio de Janeiro, cada edição com quatro páginas somente texto, sem ilustrações, por D. Francisca Senhorinha da Motta Diniz com auxílio de algumas colaboradoras. De acordo com Woitowicz (2008) O jornal “O Sexo Feminino” foi provavelmente o primeiro periódico cujo principal objetivo era o de divulgar e discutir causas femininas como os direitos no casamento e mulheres que eram tratadas em regime de semiescravidão pelos maridos. As mulheres eram quase completamente submissas e reprimidas no século XIX, na relação conjugal, o casamento, a família e a maternidade eram imposições às mulheres, e á sua responsabilidade ficava o serviço doméstico e a criação dos filhos ficando para o marido a responsabilidade de suster as necessidades da casa. Nesta clara desigualdade dos papéis as mulheres tinham reduzidas a participação social, a autonomia e a individualidade. Também no ambiente escolar não era muito comum a presença de mulheres. Morel e Barros (2006, p. 60) nos dizem que foi apenas na segunda metade do século XIX que se pôde observar um número razoável de mulheres alfabetizadas, que se interessavam por poesia e romances de folhetim. O jornal “O Sexo Feminino” trazia romances de folhetim provavelmente como um possível atrativo, mas seu foco era essencialmente a educação e a emancipação da mulher, assumindo assim um caráter expositivo da condição social feminina. O jornal ia além da observação imparcial da dinâmica política e social, mas a materialidade discursiva, não só do conteúdo do jornal, mas pela própria existência deste pode ser visto per se como gesto de contestação. A própria data escolhida para circulação da primeira edição já tinham em si uma evidência de contestação, a independência do política do país e a independência social da mulher. O primeiro parágrafo do jornal já mostra a que veio, com o título “A educação da mulher”, diz que apesar das zombarias, indiferenças, da perseguição dos retrógrados e até de chufa e mofa de conterrâneas O Sexo Feminino lutará até morrer, e finaliza a coluna inicial conclamando “viva a independencia do nosso sexo! Viva a instrucção da mulher! Vivão as jovens campanhenses!”. Assim, nessa fala a editora do jornal reafirma a proposta do periódico de rejeitar qualquer oposição à defesa dos direitos femininos. A materialidade discursiva no editorial da edição inaugural causa um efeito de sentido persuasivo que conclama a uma necessidade do momento. A editora Senhorinha Diniz enuncia de um lugar virtual, o logos, de onde constrói o ethos de orador, podendo se mostrar por meio das escolhas que ela faz para passar para a leitora uma impressão de si de alguém empunhando uma bandeira, tal qual o quadro de Delacroix “A liberdade guiando o povo”. O destaque do político, do ideológico e do histórico é bastante acentuado no jornal. Orlandi (1995) nos diz que os limites do dizer pode ser contextualizado sócio-historicamente, em particular em relação ao poder-dizer. O discurso editorial de “O Sexo Feminino” envolve uma política antissilenciamento, cujo sentido remete à censura social machista à qual as mulheres estavam sujeitas, pode ser explicitada também em relação ao não dito dessa política. A força do discurso silenciado pode ser visto na tiragem do jornal. Nascimento e Oliveira nos dizem que primeira impressão da primeira edição foi de 800 exemplares, e que foram reimpressos outros 4 000 exemplares para satisfazer às reclamações de assinantes que exigiam os números anteriormente publicados. A força argumentativa da enunciação da editora do jornal ganha mais força à medida que divergir do discurso social vigente, mas que se mostra verossímil e defensável. A validação do discurso passa então pela aceitação dos valores propostos na argumentação aos destinatários da enunciação. Um desdobramento da estratégia argumentativa de Senhorinha Diniz exige do destinatário a recuperação de crenças compartilhadas, assim, para convencer o leitor, a editora lista vários nomes de senhoras que estudam em uma escola normal local, chamadas de normalistas. Nesse momento, o efeito de sentido que o enunciador causa é o da mulher que é mãe que detém o poder da mudança social, de melhorar a sociedade. Recorre-se aqui a Pêcheux, a fim de nos localizarmos melhor em nossa base teórica, o discursivo é amplo, e em função da amplitude precisa-se categorizar análise e, para isso faze-se uso de categorias comuns às ciências sociais como “quem diz o quê, para quem, onde e quando”, e também o situar em um lugar, ou seja, de onde as pessoas falam e de quais lugares. A editora Senhorinha Diniz marca seu discurso com citações filosóficas, desse modo caracteriza a alteridade através do discurso relatado, revelando sua formação discursiva e de onde ela, como sujeito enunciativo fala. A veiculação de citações também se soma à construção da imagem de si que o enunciador pretende partilhar, uma imagem de autoridade da qual não se questiona. A somatória desses elementos colaboram para compor o ethos da editora do jornal. Chama a atenção na apresentação do periódico a pressuposição da oposição, não necessariamente a oposição constitutiva, mas a posição contrária à emancipação feminina. A editora do jornal pressupõe a inscrição de um duplo destinatário, um que apoia e outro que se opõe à causa, por isso expõe a base de sua proposta, que é a instrução e a educação das mulheres de seu tempo. A editora pretende que seu jornal seja um veículo de informação da verdade, trazendo à lume a capacidade intelectual feminina e conclamando mulheres e homens a aderirem à esta causa.

 

 

 

Referênicias

 

DUARTE, Constância Lima. Feminismo no Brasil: Pequena história. (mimeo) s.d. disponível em: http://www.ufsj.edu.br/portal-repositorio/File/pghis/ monografias/ educacao.pdf> acesso em 10.nov.2014

GIDDENS, A. Transformações  da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. Oeiras: Celta Editora, 2001.

WOITOWICZ, K. J. Páginas que resistem: a imprensa feminista na luta pelos direitos das mulheres no Brasil. Trabalho apresentado no GT história da Mídia Alternativa, IV Congresso Nacional de História da Mídia (UFF, Niteroi, RJ), 2008. Disponível em http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/6o-encontro-2008-1/Paginas%20que% 20resistem%20A%20imprensa%20feminista.pdf> acesso em 10.nov.2014.

MOREL, M. & BARROS, M. O raiar da imprensa no horizonte do Brasil. In: Palavra, imagem e poder. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p.21-50.

NASCIMENTO, C.V., OLIVEIRA, B.J. O Sexo Feminino em campanha pela emancipação da mulher. In: Cadernos Pagu, n. 29. Julho-dezembro de 2007; pgs 429-457. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cpa/n29/a17n29.pdf> acesso em 10.nov.2014.

Orlandi, E. P. As formas do silêncio. Campinas: Ed. da Unicamp, 1995.

Pêcheux, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni Orlandi, et al. Campinas, SP: Edit. da UNICAMP, 1995.

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